EU mãe que perdi um filho
ainda acredito
que há coisas que não podem acontecer ...
Como o morte do filho,
acontecida,
sorrio por entre lágrimas, quando falo dele
choro sozinha dentro do carro
e mergulho nos sonhos dos outros.
EU mãe que perdi um filho.
estando presente, estou sempre ausente ...
Não compreendo o tempo
que se fixou por detrás do choro das pálpebras.
Mães ... um filho
choram a perda dos filhos das outras mães ...
criam laços de ternura imensa com quem as ouve,
ouvindo só ...
ouvindo só ...
como somam e subtraem dias,
a partir daquele dia ...
Mães que perderem filho
têm um coração imenso, ocupado por inteiro por todos os outros filhos
e filhos dos filhos ...
e filhos dos filhos ...
EU mãe que perdi um filho
perco-o todos os dias
sou devorada por uma revolta surda contra ninguém
sou devorada por uma revolta surda contra ninguém
acordo aterrorizada, envolta em suor ...
com medo que mo levem de novo
que volte a ser esse
o dia.
EU mãe que perdi um filho
engulo raiva e calo soluços
enquanto
enquanto
aguardo paciente a companhia da solidão amiga
onde choro,
onde choro,
enfim, em silêncio, o mistério do não saber porquê
EU mãe que perdi um filho
procuro sinais no céu estrelado, encostada à janela da noite,
e persigo, de dia, silhuetas na rua.
Um certo arregaçar de manga
uma mochila ao ombro
um cabelo em rabo de cavalo
o capuz de uma gabardina cinza
uma cabeça erguida
talvez um olhar de frente
UM ar de quem sabe o caminho certo.
EU mãe que perdi um filho
desisto desolada
não. o sorriso não é igual
aquele era misto de troça, ironia, tristeza ou ternura
não, o tal timbre de voz
que se fixou, eternamente jovem ...
era voz de menino
que se fixou, eternamente jovem ...
era voz de menino
o que partiu de mim
As mães que perderam, como eu
As mães que perderam, como eu
mergulham no baú das fotografias antigas
isolam o olhar, cortam perfis, recortam gestos doces
montam fotografias esbatidas
repassam filmes de família, remontam-nos
ouvem-nos e veêm-nos, mil vezes
constroem pontes, travessias de lá para cá...
de cá para lá
isolam o olhar, cortam perfis, recortam gestos doces
montam fotografias esbatidas
repassam filmes de família, remontam-nos
ouvem-nos e veêm-nos, mil vezes
constroem pontes, travessias de lá para cá...
de cá para lá
Há mães que, crendo em Deus, aguardam um reencontro
Acreditam na perda temporária
garantem-me que os filhos estão bem!
garantem-me que os filhos estão bem!
Um dia
Vão encontrá-los.
Vão encontrá-los.
Outras não!
Dolorosamente,
nada.
Eu! Nada!
A não ser poeira de estrelas ou talvez uma estrela no mar
Luz somente!
EU mãe que perdi um filho
Eu! Nada!
A não ser poeira de estrelas ou talvez uma estrela no mar
Luz somente!
EU mãe que perdi um filho
Tenho
A mágoa que dói
A saudade que esmaga
A amargura do "never more".
A mágoa que dói
A saudade que esmaga
A amargura do "never more".
São minhas companheiras de viagem,
nesta travessia para o nada.
E para o tudo que é nada.
Um "Mamã, chegarei aos 30?"
Seguido de um sorriso doce, lento e esquecido
É também o que me sobra do David.
Guardo tudo, mil vezes tudo, na conchinha da minha mão fechada
e sob cada bater de pálpebras dos meus olhos
(mesmo assim)
abertos para os outros
E para o tudo que é nada.
Um "Mamã, chegarei aos 30?"
Seguido de um sorriso doce, lento e esquecido
É também o que me sobra do David.
Guardo tudo, mil vezes tudo, na conchinha da minha mão fechada
e sob cada bater de pálpebras dos meus olhos
(mesmo assim)
abertos para os outros
todos os meus outros
EU mãe que perdi um filho
Só sei viver desta forma!
EU mãe que perdi um filho
Só sei viver desta forma!
Não conheço outra
E outra não busco, nem quero.
E outra não busco, nem quero.
O meu filho David faria, hoje, 43 anos.
David!
Meu rapazinho sem tempo.