10 Agosto 07
São 7 horas da manhã; estamos no Hospital Bellvitge, muito
distante do centro de Barcelona. Acordámos cedo, às 5.30h, para
chamar um táxi.
Deixei, agora, o David lá dentro, deitado numa marquesa,
próximo da sala onde vai fazer o PET. Ficou meio adormecido, por
causa do relaxante muscular muito forte que lhe injectaram.
Estamos na sala de espera; o Manel ocupa o espírito com as suas
intermináveis paciências, no Palm; eu faço malha.
O PET não é um exame doloroso. Dão uma injecção para
relaxar os músculos e depois um técnico activa uma “maquineta”
sofisticada que olha para dentro de todo o corpo. Causa apreensão
e muita ansiedade, não saber o que se passará lá dentro. Eu fico
mortificada com estes pensamentos que me assaltam,
constantemente. O David parece aceitar estes exames com alguma
descontracção e optimismo. Aproveita para dormir, já que fica
completamente relaxado.
Mal terminou o PET, chamaram-nos um táxi e dirigimo-nos
ao Vall d’Hebron, onde o David iria fazer as primeiras biópsias.
Não estávamos preparados para o que se passou a seguir.
No hospital, estava o X. à nossa espera com duas técnicas que
lhe fizeram a biópsia à pele e que o David disse não ter custado.
Depois, em passo acelerado e com o David ainda muito sonolento
por causa do PET, fomos para o bloco operatório, onde lhe fariam
a biópsia ao fígado.
E foi horrível, horrível e pavoroso! Foi tremendamente
doloroso! O David não estava psicologicamente preparado para
tanta dor. Tinham-nos dito que lhe davam uma anestesia local e que
não custava muito. Mas a anestesia local é uma treta; tudo uma
aldrabice; o fígado é um órgão grande e está profundo... Dói
mesmo! Dói muito!
Vimo-lo sair de lágrimas nos olhos, muitas lágrimas,... tantas
lágrimas! Oh, meu filho! Muito triste, sombrio, em estado de
choque, muito revoltado, a queixar-se do sofrimento... que tinha
sido medonho. E ele que tão raramente se queixou, até hoje. Deve
ter magoado tanto, tanto, meu filho! Como pode ser permissível?
Deve ter sido um inferno, meu pobre David.
Não é possível, assim! Eu não posso fazer nada por ele, sinto-
-me destroçada; impotente e revoltada também. Como não é possível
sedar o doente para uma biópsia tão agressiva? Não compreendo.
Mas tenho de ser forte, não posso exteriorizar o que sinto; é
ele que tem direito a desabafar, a chorar de sofrimento, a revoltar-se
contra a dor, contra a doença. Sentámo-nos ao lado dele, dei-lhe a
mão, a tentar acalmá-lo. Juntaram-se-nos as duas técnicas
patologistas que levavam, numa “caixinha térmica”, os tecidos da
biópsia. Também elas faziam festas na cabeça do David e nos diziam,
com os olhos, que sim, que era muito doloroso.
“Mas por que razão mentem? Os médicos deviam sujeitar-se
aos exames que mandam fazer para verem se custa ou não! A
anestesia é uma intrujice!”, protestava o David, furioso e exausto.
Nunca o tinha visto assim, a queixar-se. Eu e o Manel não sabíamos
o que fazer. Pedimos ajuda; tomou dois analgésicos que uma
enfermeira lhe trouxe. Sem grande efeito! Deve haver qualquer
coisa que lhe tire estas dores, protestava eu. Assim não! Isto é
desumano e ele está doente e debilitado. Que pavor!
Permanecemos junto do bloco operatório até o David
sossegar e conseguir pôr-se de pé. Estava pálido, curvado e
chorava, ainda, com o braço por cima dos ombros do Manel que o
segurava. Depois fomos a andar, devagarinho, até ao bar, para ele
comer alguma coisa; já passava das três da tarde e estava em jejum
desde ontem à noite.
As dores continuavam ainda violentas. Comeu qualquer coisa
e bebeu duas orchatas geladinhas. Mas tinha um ar tão, tão
desalentado, como um balão que, subitamente, se esvazia e encolhe.
Ficou de rastos. Insistiu em dar-me a mão e o braço ao Manel; ele
que foi sempre tão corajoso, neste tipo de coisas. Pobre filho meu!
Que faço da dor, do medo, da solidão, do sofrimento imenso
que não despega de nós? Como ajudo a debelar o padecimento que
se vai abatendo mais e mais sobre o David. Não suporto vê-lo
assim. Apetece-me morrer.
São quase 21h. Estamos em casa; o David está, ali, a dormir
na nossa cama.
Esperamos, em silêncio, que acorde... quando acordar! O
repouso só lhe pode fazer bem; não temos pressa. O tempo não nos
importa! Não temos nada para fazer, a não ser tomar conta dele e
deixá-lo descansar.
Subitamente, alguma coisa mudou. Dores, não!