Há já uns tempos, num Congresso para que o Manel foi convidado, pela Casa de Mateus em Vila Real, fui como acompanhante (convidada).
O tema do encontro era "O Infinito" e contava com a presença de pessoas extraordinárias - cientistas, físicos, matemáticos, juristas, artistas, escritores, teólogos, oriundos das mais variadas instituições de investigação e do ensino superior portuguesas e estrangeiras.
Depois da sessão inicial e de apresentação, no belíssimo auditório da casa de "residências artísticas", os debates fizeram-se à volta da lareira, enquanto se jantava, à mesa do pequeno-almoço ou ao almoço.
Enquanto os ouvia, ia formulando a minha própria "teoria" sobre a questão!
Sempre gostei destes assuntos, apesar de completamente leiga em conhecimentos científicos ou matemáticos.
Sentia-me pequenina, perante tanto conhecimento.
Acabei por me encher de coragem e disse o que pensava, enquanto pessoa comum, ateia e mãe que perdeu um filho!
Falei de ti ..., do Tempo ..., da Vida ..., do livro que escrevera ...
Ouviram-me com atenção, apesar da tremura na minha voz e da humildade com que me apresentei.
Debateram sobre a minha opinião, a de alguém fora do circuito.
Um padre jesuíta, doutorado em Teologia e também em Física, um Teólogo, professor de uma universidade espanhola, e um professor de Física da Universidade Nova de Lisboa vieram conversar comigo, no fim do debate.
Ali ficámos, sentados nos sofás, em frente à lareira, já a noite se alongava.
Lembrara-me das tuas próprias palavras e repeti-lhas "Mas eu sei que o segredo da imortalidade é saber partilhar com os deuses a maravilha da criação."
...
No último dia, acabaram por me perguntar onde poderiam comprar o livro "Mamã, vamos dançar?"
Enviei-lhes (como oferta) pelo correio.
E chegaram mails que não quero esquecer porque são, também, sobre ti, David!
Por isso, os vou colocar aqui, nesta Casa da Venância
São Teólogos, ambos. Estudiosos com uma imensa cultura, pessoas espantosas que me aceitaram como sou.
Um deles continua a lembrar-se de ti/de mim/do Sérgio, nos dias 27 de Abril (o teu aniversário) e 18 de Outubro (a tua morte) de cada ano e envia-me palavras de compreensão e acalento!
Estou-lhe tão grata!
Cara Dra. Isabel:
Finalmente, venho de novo agradecer-lhe a possibilidade que me deu de ler o belo livro sobre o seu filho David.
Gostei imenso e comovi-me muito, muitas vezes. A leitura, para mim, constituiu uma verdadeira leitura espiritual. Tenho o livro praticamente sublinhado em todas as páginas e o título expressa bem a grandeza do seu filho: “Mamã, vamos dançar?”. São tão belas estas palavras!
Verifico que foi uma experiência muito sofrida e dolorosa, a sua e a dele, mas, acima de tudo, o livro ressalta a coragem e a grandeza de um amor grandioso, cheio de cumplicidades, entre si e o David. Pelo que descreve no livro, o David era mesmo um ser excepcionalmente dotado, quer a nível humano (com um coração terno, delicado e sem fronteiras, com uma enorme bondade e facilidade para criar laços, fazer amigos e cativar pessoas), quer a nível das muitas capacidades de que era possuidor (culto e muito profissional em tudo o que fazia). Pela leitura fiquei com vontade de o conhecer.
Notei que ao longo do livro vai retomando, muitas vezes, algumas questões:
- a perda do filho, mas também a saudade e a esperança de que não o perdeu (o que se nota em expressões do tipo “como poderia perder-te se andámos sempre juntos?”, ou “eu vou continuar perto de ti”, ou ainda “os filhos são eternos”);
- uma mágoa compreensível de o filho ter partido tão cedo (“porquê o David?”);
- a impotência, a recusa (“um NÃO que grito cá dentro”), a revolta e a culpa (parece que não é capaz de perdoar-se?) de não ter podido ter feito mais por ele, de não ter percebido quando ele começou a ter faltas de apetite e cansaço;
- a não-aceitação de que os médicos que viram os primeiros sintomas da doença do David não tenham detectado logo a gravidade da situação;
- a relação difícil com o pai do David (apesar do divórcio pacífico) e respectiva família (o desinteresse desta – particularmente da prima – pelo David);
- o ter tido pouco tempo, durante a doença do David, para dedicar a devida atenção ao filho Sérgio;
- o tema da existência de Deus, que vai estando também presente, para contrapor à sorte ou ao mal e atrocidade da doença do David (“já que não acredito em deuses … teria agora todas as razões para deixar de acreditar”; por outro lado, lembra-se do caso da amiga Elsa que, com “tanta dor e ‘injustiça’, acreditava em Deus!”);
- sente a perda do David como uma injustiça para ele (a morte roubou a felicidade devida) e para si;
- sente que a sua dor não interessa aos outros;
- medo de se terem acabado os sonhos e o sentido da vida…
Cara Isabel, vejo em si uma mãe grande, a mãe que o David merecia e continua a merecer! Admiro a coragem que teve para ajudar o David no seu calvário. Como já lhe disse, eu acredito que o Amor não morre. E o seu amor de mãe e o do David por si também não morrerão nunca. Gostaria muito de um dia me encontrar com a Isabel para a ouvir falar do seu filho, de viva voz e já não através das páginas do livro.
Nestes dias em que nós, os cristãos, meditamos no mistério da morte de Cristo, lembro-me também do mistério da morte do David e da dor da Isabel, pois trata-se do mesmo mistério de amor. Tenho-a presente nas minhas orações, bem como ao David, mesmo sabendo que a Isabel não é crente. Não me esquecerei também do dia 27 de Abril, em que o David completaria 37 anos. Eu acredito que ele já possui a vida e a paz definitivas, já sem sofrimento.
Desejo que tenha um bom dia de Páscoa, com muita paz e esperança, juntamente com o Sérgio e esposa, com o seu marido Manuel, a quem peço que dê os meus cumprimentos, e, claro, com o David, que a continua a acompanhar “lá do alto”, com a mesma alegria de sempre, e a desafiar a sua corajosa mãe: “Mamã, vamos dançar?”
Um abraço agradecido e amigo do
Álvaro