30 outubro 2013

Filho e mãe ... abraços de Outono


Fonte

No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e os órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

Edgar Lee Masters


12 outubro 2013

Um sábado no meio de Outubro




E o ciclo repete-se
Com a mesma nitidez a branco e preto
A mesma ausência de mim
Os mesmos estilhaços pontiagudos da dor
Como se hoje fora então
A mesma ansiedade
A angústia
O mesmo vómito de medo
Pânico

Uma ida à urgência
Mais uma
A última ... Sem sabermos.
O último sono em casa
A tua mão à procura da minha
Num aperto cúmplice
Um silêncio estranho
Desconhecido

Um quarto branco (chamado 24) acolheu-nos
Nós, teimosamente inseparáveis
Inflexíveis residentes na esperança
(Já do nada, sabia-o eu, ainda que não sabendo)

Cinco vezes o nascer do sol
Estupidamente quente e brilhante
Reflectido na brancura das paredes daquele quarto
Em penumbra
E tu a adormeceres, entre conversas doces e lentas
As minhas entranhas frias a escaldar
E tu, David, a serenares num sorriso ainda lúcido
No abraço da noite
A minha fingida serenidade a rasgar-me
A querer revelar-se em lágrimas
A vomitar sangue dentro de mim
Eu só nudez de dor vestida de saudade
de amor

Uma certa forma de ausência já
Abandonados um ao outro
Desgarrados 
Distantes da luz brilhante de Outubro

Saí eu, ao fim dos cinco sóis
Só eu
...
Que já não era eu
Uma outra, alguém diferente
Desconhecida de mim mesmo
Eu com ninguém dentro de mim

Como poderia sair eu
Se fiquei ... 
Onde não sei?



........

11 outubro 2013

Obrigada, Nuno




Um dia, há pouco menos de seis anos, logo a seguir ... , no meio do que ficou de ti, encontrámos a tua voz.

Gravações do teu programa " jazz faz tarde".
Infelizmente, poucas!

Desde então que, em alturas mais difíceis, te ouço, em silêncio ...

Das lágrimas que vou soltando, há sempre uma que te sorri.

Como o som do teu sorriso, percebido no prazer com que falavas de música.
A tua paixão imensa.

A tua voz é o que de mais vivo e presente ...ficou de ti!

Aqui fica, em mais um dia de Outubro.

Só pode ser bom ... Ouvir-te, David!
E que te ouçam.
Ainda hoje.
Mesmo depois ...




07 outubro 2013

Quando me falta alento



                       Segredos do oceano

Ouvi o vento
Observei a minha vida
Nascer para ser selvagem...
Era o que eu pensava
Mas quem falou comigo?
Que não vi
Dei-lhe um beijo
Talvez sinta a minha falta
Porque eu fugi
Por algum tempo
Em busca do meu dia
Esquecendo o meu lamento.

Porquê chorar? 
Porquê?
Não sei
E não quero saber!
E porquê chorar?

Os meus passos
A par do meu destino
Amarram os meus pensamentos,
De outro modo livres
Cheguei então ao meu destino
Onde  há mar
Corri pela praia
Parei quando encontrei
Um cavalo-marinho
Com quem falara na infância
Disse que a razão da minha raiva
Me empurra para a morte
Procurei o que todos procuram
A imortalidade

Que não existe!

Mas eu sei
Que o segredo da imortalidade
É saber partilhar
Com os deuses a maravilha da criação

E os cavalos-marinhos mergulharam
No oceano
E o silêncio chorou comigo

David Sobral (1995)