por outras palavras
no fundo
sempre as mesmas
e que os meus sentidos repetem aos meus ouvidos até
à exaustão
à surdez total
...
em moto contínuo
como o sol sucede
à lua
...
queria dizer
que os dias passam
e a saudade permanece
aguda
dolorosa
dolorosamente silenciada
no fingir
...
queria dizer-te, David,
que as lágrimas
as minhas
se soltam, como antes,
a despropósito
por coisa nenhuma
(pensarão os outros)
ou porque chove
chovia quando te soube que doente
ou porque está um sol imenso
e
o brilho do sol
não se me entranha sem ti
tu gostavas do sol
da luminosidade dos dias
...
queria dizer-te, David,
por outras palavras
sempre as mesmas
afinal
que te procuro
nas memórias da avó
pedacinhos teus
nas fotografias dispersas
pelos móveis
nos álbuns antigos
tão folheados
...
pedacinhos
um ombro que eu reconheço teu, por uma porta entreaberta
um certo inclinar de cabeça
uma mão
um gesto solto no ar
uma cabelo encaracolado, por detrás de um primo qualquer
a tua cabeça a sobressair acima da fotografia de grupo
lá atrás
até o teu reflexo nos vidros do pátio
descobri
..................
ou um sorriso estranhamente triste nos olhos da avó
e eu sei o dia
e o porquê
nesse março
suspenso no tempo
cravado na alegria de uma festa de família
(mero acaso)
...
vejo
revejo fotografias,
ali sentada,
no sítio onde a avó se sentava
...
a avó dizia que gostava de "conversar" contigo
ali
nas diversas fotografias
os interlocutores
os pais
as filhas
os netos
os queridos bisnetos
que se cruzarão
apenas
em recordações partilhadas
a partilhar talvez
...
e repito o olhar dela
percorro as fotografias
uma a uma
procuro a mesma força
...
estavas sempre ali
num lugar chamado coração de avó
que junta mãe e filho
num tempo
só
...
queria dizer
afinal
...
............