21 março 2010

Na Primavera, o Outono


21
Hoje, começa a Primavera.
Tu vieste na Primavera.
No Outono, partiste.
Primavera.
Outono.
As tuas, também minhas, estações preferidas.
O sol, ainda sem queimar.
O sol, antes de ser chuva, frio ou vento.

2006
Hoje, começa a Primavera, mas a chuva (ou serão lágrimas?) veio, para se instalar e ficar...

18
Hoje, começa a Primavera …
Mas o sol não me sossega.
No Outono, 18, partiste.
Mais um 18, na semana que findou.
E, no entanto
Amanhã, ainda é Primavera…

22
Foi, amanhã,
22,
há 4 anos.
Apesar da luz!
Apesar da Primavera!
Lembro-me que o sol se toldou.
Os meus olhos alarmaram-se de espanto.
O coração bateu mais forte.
Era o medo !!
Era já saudade!!!
Escureceu.
Choveu.
Chorei.
Comecei a morrer um pouco.

29
Foi amanhã, em Março …
Que, dentro de uns papéis,
Pousados, ali ao lado
Estava escrito o nosso futuro
O teu, subitamente, ... tão curto.

27
Agora, a Primavera só me diz que nasceste.
E não quero apagar essa parte do passado.
Quero poder, sempre, pintar o teu sorriso
No meu olhar.

Agora
Sou o que restou dessa parte da minha vida.
Com ela reaprendi, que em cada dia,
pode haver breves instantes de alegria.
Reaprendi a dor
e as lágrimas
e os teus olhos de espanto
nessa Primavera
distante.


02 março 2010

"Crónicas da sala de espera "...




Que estranho!
Raramente, vejo televisão, durante a tarde.
Quando muito, ligo a Sic Notícias, a Mezzo ou vejo o Baby First, enquanto o meu neto come a papa ...
Mas ...
Há pouco, passei pela cozinha, onde a D. Fátima via a SIC, enquanto me cosia uma bainha.
Nas notas de rodapé "Pedro sobreviveu a um cancro colo-rectal."

"Como se faz para superar o medo, perante um cancro terrível?" Era a pergunta.
Uma das coisas é não sofrer em silêncio. O melhor a fazer é contar ... não esconder... A outra é que a quimioterapia da amizade e do amor são tão ou mais importante que a dos químicos. É um direito querermos ver os filhos crescerem; estudarem, serem felizes...
É preciso lutar por esse direito.
....

Foi operado num 27 de Abril, aniversário do David!

Esta é uma história com final feliz, ... embora as vivências e a forma de encarar cada dia sejam semelhantes...
Ao Pedro, "herói" desta história, também lhe vi um ar sereno, no olhar!
São "Crónicas da sala de espera".

Mas voltando atrás ...
Porque será que só as histórias com final feliz são reveladas?
Se as outras, tristes, como a do David também ensinaram, a quem conviveu com elas, a ter coragem e a viver com dignidade e até de forma, às vezes, quase ... quase feliz.
Ninguém é feliz o tempo todo!!
Quem não o sabe?
Mas temos direito a instantes de felicidade.
Até no percurso da mais terrível doença ou da maior tristeza.
Acontece que ... "os heróis" destas histórias ... não têm voz; foram deixando o seu testemunho silencioso.
A quem os amou, a quem tocaram com doce gentileza, a quem quis rir com eles, a quem quis ouvi-los e olhá-los nos olhos, apesar de a doença assustar e obrigar muitos a desviarem o olhar.
Mas vem o esquecimento ...
A não ser que haja uma mãe (outras mães) que não se resigne a que a força e a luta do seu filho vá ficando esquecida na teia do tempo.

É o que faço aqui, nesta casa, às vezes, aparentemente abandonada.
É o que farei, com ou sem público, quando o livro ... do David estiver terminado.

Foi estranho!


Sempre difícil, encontrarmo-nos, difícil, sempre, separarmo-nos.
E murcha cada flor no vento que declina.
Terminado que é o fio, morre na Primavera o bicho-da-seda.

A vela seca as làgrimas - quando já é só conza.

De madrugada, o espelho faz-me triste, mudados nele os meus cabelos.

A voz que canta na noite, acorda o frio sentido do luar.

Daqui não é longe ... daqui à Ilha dos Imortais,

Pássaro Azul, depressa, gostava de lhe dar uma espreitadela.


Li Shangyin (813-858)