01 janeiro 2015

Recomeçar (de novo) ...







Hoje, David querido, acordei contigo, nítido e luminoso, dentro de mim.






Debruçado sobre a secretária, tiras da pasta a tiracolo a agenda Âmbar do novo ano, ainda em branco.
Ao lado, pousas a do ano anterior, desgastada pelo uso, preenchida de anotações e de desenhos de luz, de riscos e rascunhos.
A tua caneta preta de tinta permanente preferida está limpa e cheia.
O telemóvel carregado e o computador aguardam.
Atrás de ti, o enorme placard magnético suspenso na parede, completamente preenchido com a tua certificada e ímpar letra torta de esquerdino.
Será, em breve, apagado.
Mas, por alguns minutos mais, examinarás os 365 dias que passaram. Está ali a tua vida do ano que, ontem, findou.

Um swing esvoaça no ar, desde que te levantaste, sem pressas.
Reconheço, no entanto, os sinais do teu "delírio" interno, da tua inquietação criativa.
Exteriormente é um processo vagaroso, indolente, metódico e saboroso.
O teu ritual muito peculiar de preparação para mais um ano.

Depois de assinalada a primeira página, com aquela tua assinatura de letra grande, nítida, um pouco infantil e sem arabescos, preenches os dados pessoais e profissionais.
O meu nome e número de telemóvel estão lá, no contacto urgente.

Então, sistematicamente, procuras as datas de aniversário da família e dos amigos. Escreves apenas Mãe, Sérgio, Nuno Aroso, Avó, Eleonor, Manel, Carlinha ... Como consultas diariamente a agenda, nunca há o risco de te esqueceres das pessoas de quem gostas.
O dia do teu aniversário tem sempre uma anotação especial, entre o sério e o surreal!

Só então, dás início ao demorado e metódico procedimento de transferir do placard e da agenda antiga todas as informações úteis e novas que foste registando, ao longo do ano, para um novo folder no computador e para a nova agenda.

Uma interrupção para um copo de leite e umas torradas, lentas e saboreadas.

A música dos CDs criteriosamente escolhidos, cheques fnac de Natal, complementa o ambiente de assumida renovação.
A concentração é total.
Alguns projectos concretizam-se já na tua mente, enquanto folheias, lento  e longínquo, os mini-catálogos de milhentas cores de filtros de luz, a par dos desenhos dos palcos dos auditórios que vais percorrer.
A luz, a música a gestão cultural são a terra firme em que te ancoras.

A agenda velha já foi arquivada, o placard que esteve em branco por breves minutos, já começou a ser preenchido com concertos, viagens, encontros, workshops, ...

Uma pausa para descer ao terceiro andar, um beijo e uma conversa privada com a tua avó. Encostados os sofás, num sussurro assumido e vigilante.

Agora, a lassidão prazenteira com que te balanças e sorris para dentro de ti.
Finalmente estendido no sofá, um zapping pelos canais de música.
O descanso do guerreiro.

E eu, por perto e pelo cantinho do olho, sei de cor os preceitos grandes e pequenos da estranha e bela sabedoria que te embala.

·       Podemos ser distraídos na vida pessoal, mas temos que ser perfeitos na actividade profis­sional! Não há desculpa para a falta de rigor.
     Deve haver sempre música (boa, não uma música qualquer) a tocar. Podemos cantar a acompanhar.
·      Temos de estar atentos às coisas novas e ser exigente na escolha da música, filmes, espectáculos e sair de casa para os ver e ouvir.
·      Não se fala quando se vêem filmes, mesmo na televisão.
·      As luzes directas encandeiam e incomodam. Devemos usar luzes indirectas e evitar o ex­cesso de luz.
·      Não conduzir depressa e, sobretudo, não passar por cima dos buracos J
·      Nunca desistir!
·      Ter sempre projectos novos!
·      Acreditar que podemos realizar todos os sonhos, sem medo de ser considerado ingénuo ou imaturo!
·      Desejar.

1 comentário:

Branca disse...

Mas que preceitos fantásticos Isabel, de repente apeteceu-me partilhá-los, mas seria profanar uma memória muito sua, guardo-os para mim e no silêncio do lar partilho-os talvez com a minha filha, que neste país em que vive de momento, precisa desta força e desta esperança que o David tinha e que através de si continua viva.

Beijinhos e obrigada pela partilha, tão boa, tão criativa e metódica.