02 setembro 2014

Já Outubro para o mês que vem.


Dizem os experts dos livros do luto "pode-se viver com isso".
Vou lendo, lendo sempre, os livros que vou encontrando sobre a morte de um filho.
Há mais de seis longos anos ...
Raros são os que resistem ao prenúncio de que, depois de um terrível período de dor, virá a aceitação.
Ou então, dizem seguros, dar-se-á um clic.
Porque percebem que têm de aceitar para serem felizes.
É um direito que lhes assiste!
Voilà! C'est tout.

Mas.
Está na minha natureza ser ovelha negra.
E eu quero guardar na memória todos os dias contigo, incluindo os trágicos.
Não quero esquecer.
Ser feliz??
Saudade e dor, é o que me restam de ti.
E quero-as coladas a mim, enquanto viver.

Sempre fomos ovelhinhas negras, não é David?
Duas orgulhosas ovelhinhas negras.
Não faz mal ... embora a dor ... embora a saudade, em permanência.

Claro que se vive!
Um desviver.
Eu vivo. Então não se vê?
Que bom aspecto, Isabel!
Sempre o mesmo ar de menina.
(No espelho não a vejo.)
O colesterol está bom, o ECG idem, osteoporose normal, RX idem, hemograma normal.
Apesar de pequenas grandes mazelas ...

O coração bate (ao que parece!)
Todos os sinais vitais indicam que vivo!
A olho nu.

A questão não é acontecer viver.
É conseguir!! É o como.
Conseguir sobreviver à morte de alguém a quem demos a vida.
Viver, convivendo diariamente com a estranha que ficou em nós e que só no reflexo do espelho se parece com a de antes.
Ou já nem isso.
Viver com a morte da alegria, da força de lutar, da vontade de acordar e de adormecer.
Viver, sabendo que a parte da minha vida contigo nunca será contada comigo, por ti ... 
Nunca a partilharemos, nas "história de antes" que se contam à roda da mesa.
Entre sorrisos cúmplices.
Eu ... a quem contarei?
Se serias tu o guardião das nossas histórias, só nossas.
Para depois de mim.
Que os teus filhos ouviriam ...
Mas não.
Abriu-se uma brecha.
Do nunca mais pronunciável.
Do inominável.
Porque me tornei neblina na curva do tempo que te e nos levou.
Nem os meus netos conhecerão a outra, através de ti.
Porque somos sempre uma, duas, três mães, pessoas distintas, nas relações distintas que estabelecemos com filhos distintos.

Mas vivo ...
Talvez não em mim, que não me sinto completa, mas no afecto dos meus.
No sorriso terno do olhar dos meus dois netos.
Na paixão pelo Miguel e pela Alice que jorra das profundezas de mim.
Porque o Amor ...
Apenas este novo Amor serena a dor.

Nos braços abertos com que me acolhem para um abraço.
Naquele "Olá, bobó!", nas vozes cristalinas.
Esqueço, por momentos, que não sou.

E vivo.

Mas quero a dor da tua ausência colada a mim.










2 comentários:

Anónimo disse...

Perfeito

Anónimo disse...

Perfeito e muito bonito!
Baba