24 maio 2012

O conjugar do tempo

Em dias consecutivos ... entre o passado e o presente ...
Alguns que me dizem - "Já chega de sofrer!".
Outro alguém que me sussurra - "Podes falar; falar sempre do David".
Um psiquiatra que me aconselha - "Tem de deixar o David morrer!".
Outro alguém que me explica - "É natural, passou tão pouco tempo! O que são 4 anos ... para a morte de um filho? Mas depois, vai serenar.".
Ainda - "Precisas de fazer o luto ... assim não dá! Os teus olhos têm de voltar a brilhar!"
E, num encontro fortuito, - "Já é masoquismo!"
Ou aqueles que acenam com o além - " Ele está muito melhor ... lá onde está. Isso devia sossegá-la."

Mas há sempre quem me diga "Sim, estou sempre aqui para te ouvir."

Quase nunca respondo; o que responderia se não me ouvem?
Se as frases estão feitas, à partida! Mesmo antes da chegada.
E o absurdo que ecoa, aqui por dentro, e remexe entranhas. Mantenho o silêncio da perplexidade.
Como? O sofrimento desta saudade tem limite temporal?
Pois se tudo fiz para não o deixar morrer! E ele morreu! Como deixá-lo morrer, novamente?
Apagar a vida como quem apaga o quadro?
Ou retocá-la com cal para que não se vislumbrem os traços do que foi sofrer e é, agora, o mesmo sofrer e saudade?
Como passou tão pouco tempo, se o sinto tão longo e distante?
Mas parece um quase agora.

E o luto? Como se faz? 
Resistindo para não vir aqui, sempre que penso em ti? Seria sempre.
 O luto! Não sei do que falam. 
Existe manual de instruções para fazer o luto?
É que eu luto, de lutar; como sempre lutei para não desvendar o que sentia; o que sinto.
 Numa luta permanente, que cansa e rói.

E, sim, eu sei que os meus olhos brilham, nos abraços do meu neto ou no segredar dele ao meu ouvido "Gosto muito de ti, bóbó".
Ou perante os olhitos negros da minha neta que começam a sorrir-me.
Ou o meu filho me faz uma festa tímida na cabeça.
Mesmo quando eu e o Manel recordamos as "coisas" do David, sentindo-as ao mesmo tempo, quando saltam da paisagem, quando um certo sabor da comida, quando um certo ritmo musical ou uma luminosidade mais intensa. 
Até um riso que sabemos que existiria, perante certas notícias ou novas de espetáculos.
Ou o mar!

Como ... masoquismo? Masoquismo seria esconder a profunda perturbação quando um amigo do David ... também parte! 
Como o Bernardo Sassetti partiu. 
E, ao partir, levou as recordações que o David lhe deixou.
Que não eram minhas e, mesmo assim, me deixam saudade. 
Masoquismo seria rejeitar uma ausência que se impõe, sempre presente.
 Masoquismo seria calcar a dor, sob uma pedra dura e cobri-la de musgo. 
A pedra continua lá; tal como o peso doloroso da perda.

Ainda bem que há sempre quem me ouça, quando a frase começa por "O David ..."

Porque a minha individualidade é esta dualidade; este não querer "a nossa antiga vida a fugir da mão ..."



1 comentário:

Silenciosamente ouvindo... disse...

Estive aqui silenciosamente para
ler os seus posts. E deixar-lhe
um beijinho amigo.
Irene Alves