27 abril 2012

Parabéns, David!

Foi há 34 anos! Num dia de sol.
Levantei-me cedo e ansiava pela hora de te conhecer.
Não sabia se era menino ou menina. Mas eu esperava um novo rapazinho.
E foi. Chamei-te David!
Foi um tempo de alegria.
Tinha 22 anos.
Havias tu, havia o Sérgio e eu.





Hoje, pesa-me a ânsia, um desejo indefinido de querer tudo, sabendo que não terei nada. Tarda a sensação de estar viva. E quero esconder-me.
Fui, há pouco, à janela da cozinha, donde tantas vezes te acenei um despedida ... passageira.
Voltavas sempre, depois de desligadas as luzes do palco.
...
Debrucei-me sobre os campos verdes, olhei-os, sem os ver.
Senti-me o pano húmido, ao meu lado, um daqueles panos de limpeza que se deixam à janela, para secarem, ao sol.
E que, ali, ficam um pouco enrodilhados, tantas vezes esquecidos.



Se espreitares por detrás da lua, verás o areal de Moledo cheio de cravos, enviados pela Nini.


25 abril 2012

Miguel Portas

O Miguel Portas deixou de estar.
O Miguel Portas continuará a ser ... um exemplo de humanidade e persistência na luta pelos ideais de liberdade, igualdade e solidariedade.
O Miguel Portas continuará a ser um sorriso acolhedor, um olhar cristalino e doce.

Hoje, trago a tristeza na alma e sinto-me mais pobre.



24 abril 2012

Existir sem ser.


Ontem a minha mãe fez, hoje, 84 anos. 
Apesar da idade, apesar das dores contínuas que a atormentam, 
apesar da recente cirurgia ... apesar da perda de um neto ... 
estava bonita. 
Estoicamente agradecida à vida que lhe trouxe, recentemente, uma bisneta 
a quem puseram o nome dela - 
Alice.
Que veio juntar-se ao meigo Miguel
Parabéns, mamã! Parabéns por ser como é!

Já eu ...
Até quando resistirei, sendo quem não sou?
Existir não é ser.
Eu existo.
Faço de acrobata para voltar a ser alguém; alguém de bem consigo própria, 
aquele alguém parecido com aquela que o David admirava, 
aquela de quem o David dizia aos amigos ser alma gémea?
Era eu?
Apenas mãe.
Se calhar somos apenas o que vemos reflectido nos olhos de quem nos quer muito bem.
E nos quer dizer que nos quer bem.
As palavras são palavras.
O que valem?
Uma desculpa pelo que não se exprime pelo olhar.
É nesse olhar límpido e raro, porque intencional, que nos sentimos ser.
Alguém.
Parabéns, mamã, por sentir e ser como é.

Já eu...
Podia até ser cegonha, no cimo da torre da minha aldeia, ao anoitecer.
Podia ser aquela alga, já escurecida, de que as ondas se esqueceram, na areia.
Até talvez um parapeito de janela vazio.
Ou uma estrela cadente de Agosto que se despenha lá longe, no monte.
Creio até que podia ser uma esquina de duas ruas sem nome.
Podia ser o escuro dos olhos brilhantes do meu neto.
Nenúfar vizinho das rãs que saltitam, de folha em folha.
Ou só um batente, em forma de mão fechada, silencioso na porta trancada.
Podia ser só silêncio.

Parabéns, mamã, por saber quem é e como é.
Parabéns, mamã, por ser.
Não, apenas, por existir.

Já eu ...
Ando perdida, a seguir as setas que indicam o caminho.
Não me desviar do percurso que sei a percorrer.
Longo, longo.
Duro, duro.
À espera ...
Em moto contínuo ...


Já eu ...
Só existo!

E tu, David, porque não podes regressar, 
só por um bocadinho?
Para me serenares ...
e eu te falar disto?
















17 abril 2012

Prisioneira do lado de cá!

A vida pára!
O tempo flui continuamente!
Uma flecha.
Apesar de toda a paciência do mundo, perante o arrastar lento dos dias que me pesam.
Que sei que vão sempre curvar-me. Apesar de erguer a cabeça, consciente da tua ausência, ao acordar.
Apesar de nos termos virado de costas para o futuro ... para que não o víssemos chegar!
Porque nos foi predito.
Apesar de ti. Da tua coragem. Do teu saber do meu sofrer.
Apesar de mim. Do meu serrar de dentes, de me esconder.
A vida e o tempo acorrentaram-nos em cárceres separados ...



03 abril 2012

Em Abril ... o David

Está tudo claro, no meu vazio escuro. Sei de cor a dor que terei de esconder pelo resto dos meus dias.
Resguardo-me no silêncio e até nas palavras mais ou menos automáticas com que aprendi a reagir à forma, às vezes, agreste, com que me falam.
Devem achar-me uma fortaleza! Que não sou ... mas iludo, tentando um sorriso polido. Recuando alguns passos para dentro de mim, para uma nesga de espaço vazio, onde me reconstruo.
Domino a arte do fingimento; da simulação que se aprendem à custa de nem eu sei bem o quê.
Porque a minha dor, se a exprimisse, como dói ... causaria dor ... a quem não quero.
Por isso, calo ou falo, adiando para depois a saudade que me escorre no sangue.

Mas, por vezes, tudo é demasiado, insustentável.
Regresso, aqui.
Regressarei sempre.
Deixar escoar a mágoa que vou guardando, em segredo.
Desfaço, então, a lisura da pele e desenho vincos por onde possam escorrer as lágrimas que aguardam pela solidão da noite.

E sossego, finalmente, no frente a frente, com a meiguice do olhar com que me olhas.
De uma fotografia.