28 julho 2011

Lentamente ... muito.



É dia 28 de Julho.
Que bom!
Ainda há pouco, via, aqui, no canto do meu computador
quarta 27 Julho

Fiz 56 anos!
Diz a minha mãe que me viu nascer ...
E se alegra de poder festejar o meu 56º aniversário!

Este é o meu quarto aniversário
(da minha segunda vida)
sem ti
meu filho David

Aniversários que parecem uma eternidade
fora do tempo
porque conto os dias
não os anos

E os dias são horas longas e lentas
e um pouco mais preguiçosas
no avançar dos ponteiros do relógio
do meu relógio da vida
da minha vida
sem ti.

O tempo é um contrasenso.
Já não procuro compreendê-lo.








Tempo

Se corre devagar o tempo, e o tempo
não corre, em que relógio contarei
os segundos que se demoram quando as
horas se precipitam, ou o amanhã

que nunca mais chega neste hoje
que já passou? Mas o tempo só o é
quando o perdemos; e ao ver que
é tarde, não se volta atrás, nem

as voltas que o tempo dá o voltam
a fazer andar. por isso é que o tempo
nos dá tempo para o ter, se ainda

houver tempo; e se tivermos de o perder,
nenhum tempo contará o tempo que se
gastou para saber o que se perdeu ou ganhou.



in "O Breve Sentimento do Eterno", de Nuno Júdice

25 julho 2011

Continuando ...


Este blog é do David ou meu, ... com o David dentro.
Tenho outras vidas, outros amores, outros amigos, outras músicas dentro de mim.
Mas não é este o espaço deles.
O coração da gente é enorme e tudo de bom, doce ou meigo que vem dos amigos ou dos amores ... lá cabe. Pelo menos, no meu.
O coração, o meu coração, é, no entanto, um quarto pequenino, excessivamente pequenino, demasiado apertado para albergar toda a saudade, toda a tristeza, toda esta imensa dor que me acompanham desde que o meu filho David morreu.
É este o espaço onde essas mágoas se derramam.
Em som, luz, palavras à toa, palavras dele ... imagens ... retratos que roubo ao passado.
Porque não quero que passem.
Têm-me prisioneira.
Onde forem, eu vou. 
Onde as lerem, eu estou.
Se se calarem, perder-me-ei em silêncio.
Amordaçada.
Resistirei? 




Michel Camillo

No mundo do jazz não há só norte-americanos envolvidos. O jazz espalhou-se por todo mundo e o pianista de hoje nasceu na Republica Dominicana e chama-se Michel Camillo.
 Michel toca com muita energia e vem de uma grande familia de músicos.
 Aos vinte e poucos anos, mudou-se para Nova Iorque para tentar a sua sorte como músico profissional.
 Pouco depois, um tema da sua autoria, denominado “Why not?”, tornou-se um clássico do jazz e um outro, chamado “Caribe”, passou a fazer parte do repertório tocado pelo trompetista Dizzie Gillespie.
 O tema que vamos ouvir chama-se “From Within” e é poderoso, não só pelo pianista mas também devido ao baterista que, usando a gíria do rock, parte a louça toda.

Até logo ... que Jazz se faz tarde.
David Sobral


Lágrimas

24 julho 2011

Não fujo da saudade. Não quero.


Um pulinho ao Alentejo, para ver os amigos, para cheirar a planície.
Vivi parte da minha meninice no Alentejo, em Ourique.
Gosto do tom dourado dos montes, gosto da sombra dos chaparros, gosto da comida.
O David adorava tudo isto.
Também ele gostava do cheiro dos coentros e dos poejos na comida; enchia os olhos com a luz da charneca.

O regresso é pesado; mais triste, de cada vez que lá vou.
Os olhos disparam por sobre o horizonte, para lá dos cumes dos sobreiros.
Não procuram nada ... adormecem num tempo que passou.
É a ausência dele que me espera nesta casa.

Persigo vidas e dias com mais sentido.
Mas a saudade é tanta!
O vazio que pousa na minha mão estendida, à chegada, não é macio.
As mãos do meu filho eram macias.
E eu tenho saudades das mãos dele.
Meigas, esguias e macias.




19 julho 2011

Outra vez!

As noites são um inferno.
A noite convida ao sono.
E quando o sono não vem?
E abro lentamente a porta do quarto.
E desço as escadas, devagarinho, pé ante pé.
Para não acordar o silêncio quieto da casa.
E inspiro o ar da noite, na janela da cozinha.
E procuro a claridade da aurora.
Que não tarda.
Há estrelas que me conhecem bem, de tanto me verem.
Silhueta recortada na claridade da cozinha iluminada.
A horas estranhas.
Horas em que a casa dorme.
E respira imperceptivelmente.
Na noite parada, sobre as luzes dos candeeiros.

Eu não; eu tenho um caminho a percorrer.
O mesmo caminho de ontem.
Talvez ...
Com certeza, o caminho da amanhã.
A noite, cada noite, de forma mais ou menos impaciente, sob os meus olhos fechados, abre as cortinas e desvenda o palco que se esconde da luz do dia.
Em cena, os mesmos actores.
Em cena, a mesma paixão desesperada por assistir a um novo dia.
Em cena, as mãos que não querem separar-se de outras mãos.
Em cena, uns olhos que procuram um olhar sob as pálpebras cerradas.
Em cena, eu.
Em cena, o meu filho.
Em cena, a repetição da vida em risco.
A repetição de um respirar cada vez mais brando, cada vez mais breve, cada vez mais sopro.

E recordo mensagens insinuadas em letras de músicas.
Adormeço, exausta, num sono profundo, pesado e curto.
"Que bom aspecto tu tens, Isabel!"
Ainda bem.


          

Agora que voltou tudo ao normal                               
Talvez você consiga ser menos rei
 E um pouco mais real
Esqueça
As horas nunca andam para trás
Todo dia é dia de aprender um pouco
Do muito que a vida traz.  
Mas muito pra mim é tão pouco
E pouco é um pouco demais
Viver tá me deixando louca
Não sei mais do que sou capaz
Gritando pra não ficar rouca
Em guerra lutando por paz
Muito pra mim é tão pouco
E pouco eu não quero mais
Chega!
Não me condene pelo seu penar
Pesos e medidas não servem
Pra ninguém poder nos comparar
Porque
Eu não pertenço ao mesmo lugar
Em que você se afunda tão raso
Não dá nem pra tentar te salvar

17 julho 2011


Já fumei vários cigarros, já os apaguei meio fumados; já montei malhas para nova gola, já as desmontei; já desmanchei um outro cachecol, não me agradou.
Tricotar é o meu último recurso para serenar.
Hoje, não serve.
Decidi cozinhar ... mas, afinal, não me apetece.
Ainda não.
Já rasguei papéis.
Este nó na garganta e uma sensação de que algo me vai agoniar.
Antes do medo, senti sempre esta agonia a subir-me à boca.
Esvazio gavetas para as voltar a encher com as mesmas coisas, numa ordem talvez diferente. Já não me lembro.

O vento faz tilintar o espanta-espíritos
Espreito o céu; desço os olhos até à rua, onde não vejo o teu carro azul.
Tempo flutuante como o meu sentir.
Como a minha desordem interior que  não arrumo ... como se arrumam gavetas.
É estranho como acabo por sentir tanta falta destas coisas a que antes pouco ligava.
Agora, recolho tudo o que, ainda, fala de ti.

Vou guardando no gavetão - um roupão azul, a camisa mais bonita, uma camisola verde da cor dos teus olhos, umas pantufas, revistas onde, recentemente, escreveram o teu nome por ter sido um dos cinco nomes finalistas para uma nova rua do Porto; uma gabardine preta da Muji dentro de um saquinho preto (comprámo-la em Barcelona); os teus filtros de luz; três dentinhos de leite ...; as tuas músicas preferidas ...

E, no canto dos olhos, a lágrima que se anuncia.

Talvez, agora, consiga iniciar outro cachecol.
Mas não.
Que fazer com este tumulto interior?
Com esta dor que me paraliza a vontade?

De fora, ninguém nota nada. 
Habituámo-nos a conviver, eu e a outra.
A que se esconde, revelando-se, e a que se revela, escondendo-se.
Entretanto, na televisão, na MEZZO, o Plácido Domingo canta "besa-me, besa-me mucho como se fuera esta noche la ultima vez ..."
E no canto dos olhos, aquela lágrima fugidia.
A mesma que, ontem, limpei, quando a Cristina Branco cantou "Sete pedaços de vento", na CdM.
Esta era a canção que gostavas de partilhar com a avó ...
"Gostas avó? É bonita, não é? Quem te mostra músicas bonitas, quem é?"
E aquele teu sorriso com que afagavas os olhos da tua avó.

Tal como o Miguel afaga os meus.
Apesar da saudade transparente.



Que reste-t-il de nos amours

Ce soir le vent qui frappe à ma porte
Me parle des amours mortes
Devant le feu qui s' éteint
Ce soir c'est une chanson d' automne
Dans la maison qui frissonne
Et je pense aux jours lointains

{Refrain:}
Que reste-t-il de nos amours
Que reste-t-il de ces beaux jours
Une photo, vieille photo
De ma jeunesse
Que reste-t-il des billets doux
Des mois d' avril, des rendez-vous
Un souvenir qui me poursuit
Sans cesse

Bonheur fané, cheveux au vent
Baisers volés, rêves mouvants
Que reste-t-il de tout cela
Dites-le-moi

Un petit village, un vieux clocher
Un paysage si bien caché
Et dans un nuage le cher visage
De mon passé

Les mots les mots tendres qu'on murmure
Les caresses les plus pures
Les serments au fond des bois
Les fleurs qu'on retrouve dans un livre
Dont le parfum vous enivre
Se sont envolés pourquoi?

04 julho 2011

Maria Gadú


Casa da Música. Maria Gadú.
Vou aumentando a frequência das idas a espectáculos de música; sobretudo na Casa da Música, onde há alguma garantia de qualidade.
Uma vez por outra, sento-me à frente do computador e navego na programação da CdM. O David ficaria contente com esta sua mãe.
E compro, às vezes, de uma assentada, três ou quatro espectáculos.
Não sabia nada desta Maria Gadú, tirando o que fui procurar no You Tube e pareceu-me de arriscar.
E foi um belíssimo espectáculo de luz, música e bom som.
A plateia estava cheia; muitos brasileiros.

Maria Gadú tem muito talento; uma voz bonita, muito versátil (do Jazz à MPB, passando pelo Rock)
O David está, especialmente comigo, nestas minhas idas à CdM. Com o Manel também.
As primeiras vezes que fomos a concertos, depois de o David morrer, foram extremamente dolorosas.
Ainda choro, na penumbra da plateia.
Ainda não entendo.
Ainda olho lá para trás, lá em cima, para onde o David estava quando fez as luzes do primeiro espectáculo da CdM, quando esperou que eu e as minhas canadianas chegássemos aos nossos lugares. E só então se apagaram as luzes da enorme sala.
Esperou por mim. A casa estava cheia, os espectadores não se terão apercebido da minha chegada ao lugar.
Mas eu soube que, naquela noite, fui aquela por quem se aguardou para dar início ao concerto.
Iluminar o palco, baixar as luzes da plateia, estava nas mãos do David.
E ele e também o Sérgio seguiram com os olhos a minha subida lenta da escadaria (cirurgia recente ao joelho).
Então, o David levantou-me a mão em v de "vitória" e deu-se início à peça "Da primeira liberdade".

Vou mais vezes, à CdM, mas choro sempre no escuro.
E chorei também desta vez, quando a Maria Gadú cantou "Ne me quitte pas" de Jacques Brel.


Tão invulgar a mistura do francês, uma cantora brasileira e uma canção que sempre me faz chorar, desde que te foste, David.
E eu tenho tantas, tantas saudades.
De ti.
David.