24 agosto 2010

Moledo, de passagem

Barcelona?
Terá sido em Barcelona que acordei, hoje de manhã?
Confusa.
Porque a janela não estava no sítio exacto; ao fundo da cama não tinha um separador feito de estantes de livros ...
Mas era o apartamento de Barcelona.
Ouvi o bater leve do David, à porta,
O mesmo receio de me incomodar.
Incomodar meu filho?
Quem dera sentir-me incomodada, perturbada.
Ainda que o medo da morte estivesse colado a mim.

O mesmo falar baixinho "Mamã, podes fazer alguma coisa por mim?"
Fazia sempre alguma coisa; tentava ...
Mas não, acho que nunca esteve na minha mão poder fazer, realmente, alguma coisa por ti.
Nem tu ... por mim.
Já que eu fiquei.
E tu te foste ... apesar de saberes que não seria, nunca mais, capaz de viver sem ti.

Perdi o cerne de mim.
Isto não é uma metáfora, nem tem a leveza das imagens.
Fugiria se pudesse, quando certo silêncio se instala impiedoso entre mim e "outro de mim".
Como se eu não tivesse perdido parte da alma, algures.
Não me obriguem a fingir que não gostaria de me ir.
Para onde não tivesse de, constantemente, me procurar.
Sabendo sempre ...
Que não me volto a encontrar.



3 comentários:

Jaime Latino Ferreira disse...

ISABEL VENÂNCIO


Querida Amiga,

Chega uma altura, chega sempre uma altura em que de mim não sei mais como Lhe responder ...

Quando se perde o cerne ...!

Acompanhei-A, sistematicamente, cerca de dois anos a fio, ou mais (!?) e as palavras vão-se tornando, de repetitivas, esgotadas, cansadas também.

Não que A não vá continuar a acompanhar mas acho que, de hoje em diante, me vou refugiar num silêncio respeitador embora, afianço-Lhe, prenhe de um sorriso que se sempre se incomoda com o Seu sofrimento, não o escamoteia nem com ele se resigna!

Sabe que pode contar comigo e sabe como e onde me encontrar.

Porque, ainda que desencontrados, nos podemos encontrar ...!

Seu e sempre, um beijinho


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Agosto de 2010

Anónimo disse...

Isabel, olá. Aqui venho sempre que posso para escutar a sua alma...Hoje, encontrei um texto e lembrei-me de si. aqui o deixo...com uma festinha na mão...MM
"Se eu morrer antes de você

Se eu morrer antes de você,
faça-me um favor:
Chore o quanto quiser,
mas não brigue com Deus
por Ele haver me levado.
Se não quiser chorar, não chore.
Se não conseguir chorar,
não se preocupe.
Se tiver vontade de rir, ria.
Se alguns amigos contarem
algum fato a meu respeito,
ouça e acrescente sua versão.
Se me elogiarem demais, corrija o exagero.
Se me criticarem demais, defenda-me.
Se me quiserem fazer um santo,
só porque morri,
mostre que eu tinha um pouco de santo,
mas estava longe
de ser o santo que me pintam.
Se me quiserem fazer um demônio,
mostre que eu talvez tivesse um pouco
de demônio, mas que a vida
inteira eu tentei ser bom e amigo.
Espero estar com Ele o suficiente para
continuar sendo útil a você, lá onde estiver.
E se tiver vontade de escrever
alguma coisa sobre mim,
diga apenas uma frase:
- "Foi meu amigo,
acreditou em mim
e me quis mais perto de Deus!"
- Aí, então, derrame uma lágrima.
Eu não estarei presente para enxugá-la,
mas não faz mal.
Outros amigos farão isso no meu lugar.
E, vendo-me bem substituído,
irei cuidar de minha nova tarefa no céu.
Mas, de vez em quando,
dê uma espiadinha na direção de Deus.
Você não me verá, mas eu ficaria muito feliz
vendo você olhar para Ele.
E, quando chegar a sua vez de ir para o Pai,
aí, sem nenhum véu a separar a gente,
vamos viver, em Deus,
a amizade que aqui nos preparou para Ele.
Você acredita nessas coisas?
Então ore para que nós vivamos
como quem sabe que vai morrer um dia,
e que morramos como
quem soube viver direito.
Amizade só faz sentido se traz o céu
para mais perto da gente,
e se inaugura aqui mesmo o seu começo.
Mas, se eu morrer antes de você,
acho que não vou estranhar o céu...
"Ser seu amigo...
já é um pedaço dele..."

Chico Xavier

Ana Cristina disse...

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento


Sophia de Mello Breyner Andresen