18 maio 2010

Mais um mês, David!

Vou tropeçando nos dias que são demasiado longos ... mesmo quando chego ao fim e reparo que o tempo afinal ... não me deu para nada!
Os projectos que, às vezes, penso poder ... projectar ... não os levo a sério. São apenas mais uma forma de me enganar.
Como se me dissesse – quando te sentires mais forte, tens esta porta aberta!
Talvez ... sim, eu sei ... quando os meus tratamentos tiverem terminado; quando a minha saúde física estiver controlada.
Finjo que penso na minha saúde, mas não penso. Ou penso que está tudo bem! Foi coisa simples na mama. Tratamentos leves ...
Eu que te vi sofrer e que tanto sofri por ver sofrer!
...
Sabes bem ... que esta dor não passa! Sei que sabes ... já sabias, antes.
E não espero que passe!
Irei ficando bem, desde que tudo esteja bem com o filho que tenho e o nosso belo Miguel!
....
Hoje, um dia 18, pude contar a minha história (que é a tua, também), a uma nova médica que me atendeu no IPO.
É belga, como o Jacques Brel.
Chama-se Natalie, como a canção do Gilbert Bécault.
(Antes, sabia esta canção de cor ... agora a minha memória atraiçoa-me! Gostava tanto dela!)
Reparou no meu processo, viu o teu "nome" e quis saber!
Foi a primeira médica a querer ouvir-me até ao fim.
A não tentar, sequer, interromper-me!
Sempre me dizem que devo seguir em frente, etc ... etc ...
Sei o discurso de cor!
Esta não se importou com as minhas lágrimas. E acho que ficou a gostar de ti!
Conversámos as duas muito tempo. Falou-me da morte da mãe e das "conversas" que mantêm, ao deitar. Falou-me dos filhos ...
As pessoas não são apenas a cicatriz que me mostram ... são também o que trazem dentro delas! A minha cicatriz está bem mais funda, ... nem sempre se vê!
E ouviu-me falar de ti, do teu irmão e do nosso rapazinho pequeno de cabelo aos caracóis.
E falei-lhe dos nossos dias 18 que se vão sucedendo lentamente. Com todos os detalhes, vozes, gestos, ... ainda, bem definidos na minha memória!
.....
No fim, ela tinha lágrimas nos olhos.
Disse-me que devia ajudar outras mães ... embora eu ache que nenhuma mãe a quem morreu um filho pode ser ajudada.
"Mostre-lhes que se pode falar do filho que morreu. Não é vergonha chorar!"
...
E quer conhecer-te, através do livro que estou quase a terminar ... depois de inúmeras vezes terminado.
Prometi-lhe!
Mas ... tem demorado ...
Sabes bem que esse livro tem algumas pontas soltas mais tristes e dolorosas que ainda não sei como atar!!
É nele que tenho andado absorvida ... em vez de vir aqui!



Un jour à Paris!

2 comentários:

Branca disse...

Olá Isabel,

Gostei de a ler. Às vezes não quero perguntar, quebrar o seu silêncio e a sua paz e foi bom saber que tem médicos que a ouvem a esse nível. O doente é um todo e felizmente há muitos profissionais que entendem isso.
Fico feliz por ter encontrado a Drª Natalie, que adivinho será uma boa terapeuta espiritual, para além de tudo o mais que seja.

Eu também penso como ela e já lhe disse noutro local que espero esse livro e que ele pode ajudar muita gente. A Isabel teve dúvidas por achar que falava demasiado da sua experiência, de si e de dor, mas há mães que precisam de se identificar com essa dor, de saberem que não estão sózinhas, que não são únicas, que alguém as entende, que há quem saiba exactamente pelo que estão a passar, porque nós só podemos imaginar e mesmo assim ficar muito aquém...

Fico feliz por estar a ultrapassar bem a sua questão de saúde e a aproveitar o tempo para tanto que quer, embora o tema da escrita seja doloroso, mas vai ver no fim sentirá uma grande paz por concretizar o que se propôs.
E eu quero ter esse livro...para aprender coisas importantes da vida e aprender quem sabe a ajudar e a ajudar-me.

Obrigada Isabel por ser quem é e por tanto que nos deixa aqui.

Beijos
Branca

Jaime Latino Ferreira disse...

ISABEL VENÂNCIO


Querida Amiga,

Isso mesmo, cicatrize num livro, atando as pontas, o que não pode ser cicatrizado na alma!

Quem sabe ...!?

Um beijinho e as Suas rápidas melhoras


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Maio de 2010