04 outubro 2009

SEM ATENUANTES



Por sugestão do meu psiquiatra , que se entristece por não ver grande evolução no meu estado, consultei uma psicóloga que trabalha com ele em "certos casos" que tenham o perfil adequado a técnicas em que ela é das poucas especialistas no país.
Lá fui.
Lá chorei o tempo todo.
Lá contei.
Lá fui respondendo ao que me foi perguntando.
Lá voltarei, depois de a psi analisar o meu caso, para saber se o meu perfil se adequa.
Ou não.



Não, não tenho qualquer recordação desagradável com o David.
Nem durante a doença dele.
Só tenho boas lembranças do meu filho.
E da sua coragem...
Continuou a ser meigo.
Continuou a ser irónico.
Continuou implacável com as políticas "culturais" do Rui Rio e amigos.
Continuou a ter a casa cheia de música, desde o levantar ao deitar.
Continuou a "conviver de perto" com os "dinossauros" das cantigas de intervenção - Zeca, Fausto, Sérgio Godinho, José Mário Branco.
Continuou a ter um sentido de humor invejável.
Continuou a ter o mesmo espírito crítico que sempre o levou a defender os injustiçados e os mais frágeis.
Continuou a ser prestável e a preocupar-se com os outros, quando era ele quem estava em baixo.
Continuou a ter sonhos.
Continuou a defender que nem tudo tem que ser a preto e branco; teria ficado "delirante" com os resultados eleitorais do BE.
Continuou a não se dobrar.
Continuou a ser doce "Mamã, vamos dançar?"



A doença e morte... isso, sim!
São recordações terríveis.
São tragédias que se repetem e revivo, a cada dia que passa.
E mais trágicas, ainda, não tendo eu qualquer imagem negativa ou menos doce do meu filho.
Parece, talvez, estranho.
Mas é assim.
Nenhuma atenuante para a minha dor e saudade.

5 comentários:

Jaime Latino Ferreira disse...

BOAS DESCULPAS


Todas as atenuantes
todas
todas para fazer da dor a sua força
para que nela pegue e a cole a Si
todas
todas para que siga em frente
e agite a recordação
em nome do afecto
da ironia
do humor
da implacabilidade
da indignação
dos mais fracos
do sonho
da vida
do multicolor
do cromatismo sem fim
da música
do David

Sem atenuantes
não foi condenada à morte
mas à vida


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Outubro de 2009

António disse...

Há algo que me impressiona favoravelmente no discurso da Isabel:a clareza e a inteireza como reafirma a dor e a saudade do seu querido filho.Os psiquiatras e os psicólogos tendem a circunscrever a dor e a saudade alheias às suas técnicas de minoração de sentires,como se a dor e a saudade dos nossos entes queridos tivessem que ser sufocadas ou apagadas à medida das suas específicas visões terapêuticas.A Isabel diz que não tem atenuantes para a sua dor e saudade.E tinha que ter ?...

manuela baptista disse...

DRAMATIZAÇÃO DE UMA HISTÓRIA MUITO MAL CONTADA

O Gato: És mesmo parvo!
Ainda não reparaste que és apenas um pássaro de madeira mal pintada, tosca, amarelada?
Tirar alguém do fundo de um poço, pedras e histórias...
Eu, francamente acho, que não bates bem da bola!

O Ganso: Ah! Agora que já comeste umas trincas, bebeste água fresca e dormiste a noite toda a ouvir as minhas histórias é que me vens dizer que eu, não sou eu?
Para gato, tens cá uma lata!

O Gato: É? Então diz lá, onde está a terceira das pedras, para que possas contar a segunda história?

(O Ganso agita-se e ouve-se o som de madeira a bater na madeira)

O Ganso: Perdi-a no meio das minhas penas! E agora? Não está na natureza dos gansos possuir coisas inacabadas! Ajuda-me Gato!

(o Gato, em cuja natureza está exactamente, concluir com perfeição qualquer tarefa, compadeceu-se do Ganso e reconheceu que ronronava muito melhor quando ele estava presente)

O Gato:Como sabes, eu sou curioso, observador e sensível. Pude assim sentir que houve por aqui uma inflexão dos elementos.
Além de ti, qualquer outra coisa também mudou.
Não sei bem o quê, por isso temos de ser cautelosos e para dizer a verdade a tua história estava muito mal contada...

(Nesse momento o Ganso sentiu uma dor do lado esquerdo e pensou:"Será caruncho?" e lentamente seguiu o Gato pela noite dentro)

Manuela Baptista

manuela baptista disse...

sem Ganso e sem Gato
sem poço
nem pedra

com as histórias que somos
com as lágrimas que choramos

com a atenuante de sermos apenas humanos

venho aqui dar

à Isabel

um grande abraço

Manuela Baptista

Jaime Latino Ferreira disse...

ISABEL VENÂNCIO


Minha Amiga,

Uma breve satisfação:

Já reparei que editou o poema que Lhe enviei para a página Talismã de Fevereiro de 2008!

Explico-Lhe do porquê:

Quando estou aqui em casa e no meu computador, tudo está devidamente organizado, a minha Amiga conta-se entre os meus blogues favoritos, e quando abro a Casa da Venância, logo me aparece esta na sua última, mais recente página.

Quando estou, como me aconteceu como poema que Lhe enviei para essa página de Fevereiro de 2008, a trabalhar num computador da instituição em que dou aulas, para Lhe chegar a Si, escrevo o nome do blogue na página Google e esta remete-me para o seu blogue mas sem ser actualizado.

Era muito cedo quando fiz estes procedimentos e ao ver o título da página, não se esqueça que só comecei a segui-La a partir do Verão de 2008, nem vi mais nada, achei, por distracção, que se tratava de uma nova e actualizada página Sua ...!

O que é certo é que não estou arrependido do que Lhe remeti e olhe ... há males que vêm por bem ou grandes distracções que não resultam mal!

Certo também é que a Isabel, não há nada que Lhe escreva que não edite!

Uma vez mais reconhecido com um beijinho


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 11 de Outubro de 2009