14 setembro 2009

Uma avó


David num Carnaval - o mago


Tenho andado especialmente triste; uma tristeza mais pesada e teimosa do que a do costume.
É que o medo tem acordado colado a mim.
Os dias são sempre os mesmos outros dias, que passaram mas ficaram.
Permanecem num dia exacto, em Setembro.
Em que morri mais um pouco.
Em Setembro, a 11 de Setembro, mandaram-nos embora de Barcelona.
Nada a fazer.
E o pavor a não me deixar respirar e aquela lágrima a correr pela cara do meu filho.
E a lágrima a queimar-me, ainda hoje, o peito.
A mesma lágrima, agora, só minha.
E eu a encolher, a encolher; a não saber o que fazer.
A gritar cá dentro que não.
A certeza de que não parava ali.
A certeza de ir até ao fim do mundo, embora o fim do mundo estivesse logo ali..., ao virar duma folha de calendário, ... em Outubro.
Setembro trouxe Outubro.
Um Outubro de sol.
Um Outubro para últimas despedidas do mar de Moledo e da luz no monte, em frente ao pátio.
Um Outubro já de saudade.
Um Outubro de gestos lentos e sorriso lasso.
Um Outubro de carinhos e sorrisos cúmplices.
Um Outubro de força ainda, nas mãos entrelaçadas.
Um Outubro de dias claros mas de infinita penumbra pousada, pesada e profunda, no lugar do coração.
Estamos em Setembro.
E eu estou triste.
Mais triste.

E as lágrimas, que têm andado presas, soltaram-se quando li o que a Branca escreveu.
Que bem compreendo aquela avó que, antes de morrer, foi despedir-se do filho que já partira!
Que doçura e que saudade a acompanharam durante uma vida inteira e tão longa.
Eu percebo-a; eu sei que todos os filhos são filhos únicos.
Sejam dois, sejam dez.
Por um estranho e inexplicável processo químico, o coração é inteiro de cada filho, mesmo quando inteiramente esvaziado quando um filho se nos solta assim.
Para lá da distância de uma carícia na cara.
E, no entanto, mesmo vazio, continua inteiramente cheio e dedicado a cada filho, a cada neto vindo ou a vir, a cada Manel, apesar do peso imenso da perda.

O coração transmuta-se, não a cada dia, mas a cada hora, cada momento do dia, conforme o peso da saudade ou da força do amor.
É uma estranha forma de vida...



Obrigada, avó da Branca.

6 comentários:

Ana Cristina disse...

O Sérgio encostado ao carrinho do David "algures" num pinhal durante um pic-nic.

Meses de lágrimas,silêncios e incredulidade,ainda,sempre,talvez para sempre mesmo.

"Parece que o David foi viajar e não tarda abrirá a porta de casa..."; entretanto o Miguel recebe-nos com sorrisos marotos que nos encantam e fica a espreitar enquanto dizemos adeus a caminho do elevador.

"Vida tão estranha", música do novo álbum de Rodrigo Leão & Cinema Emsemble,"A Mãe".

http://www.youtube.com/watch?v=Kn2lQFyFLPo&feature=related

Beijinhos.
Nini

Jaime Latino Ferreira disse...

VENHO AQUI


Venho aqui, sopesar o sofrimento da Isabel que se entrenha, com agradecimentos à Brancamar e à Ana Cristina pelo que me dizem e contam na caixa de comentários anterior.

Nini,

Bravo pela Sua filha e dê-Lhe um grande beijinho de parabéns da minha parte.

Que Lhe invada a casa de festas e mais festas, de alegrias e mais alegrias.

E quando estiver farta de aturar as intempestivas celebrações da Diana, mande-a com os amigos para casa da madrinha!


Brancamar,

Obrigado pela história de Sua avó!

No entanto e embora saiba que a dor da perda de um filho é para sempre, espero que não sejam precisos trinta anos para que a Isabel transforme esta casa em memória do David num espaço onde a dedicação, pelo coração e pelo David se abra a cada filho, a cada neto, a cada Manel, afilhada ou pais de tal modo que se torne um espaço irreconhecível ...

É que, os tempos e a sua velocidade vertiginosa são outros e nós, que tanto gostamos de acalentar a Isabel que sabemos gostar, também, de sentir que não está sózinha, às tantas, já não sabemos que mais escrever.

E eu desejaria continuar a escrever-Lhe!

Beijinhos a todas, à Isabel seguramente a quem indirectamente e como é óbvio estas minhas mensagens também se dirigem


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 15 de Setembro de 2009

Jaime Latino Ferreira disse...

VIVEMOS


Vivemos
rodeados de gente
ligados
num sabor quente
o que eu te der
no que sinto
se espalha
como absinto
se for a cólera
não minto
a revolta
a pressinto
se for ausência
carência
o que se espelha
demência
se propaga
indecência
mas se for dor
sem lugar
a tudo que queira dar
pouco fica para por
sem saber o que tirar


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 15 de Setembro de 2009

António disse...

Aqui,a Isabel trava um grande combate contra a Morte, através da perpetuação da memória do seu querido filho.Desejo muito que de alguma forma o reencontre.A minha profunda Admiração...

Branca disse...

Obrigada Isabel por esta referência à minha avó, no entanto não se esqueça que mencionei atràs que ela encontrou um sentido para a vida e sei que a Isabel o está a encontrar.
Espero que as lágrimas que estavam presas a tenham ajudado a libertar sentimentos e como dizem a "lavar a alma".

Deixo um grande beijinho.
Branca

manuela baptista disse...

A tristeza é como o mar, vai e vem com as marés.

Repensando os grãos de mostarda que uns e outros semeiam, eu diria que aqui se trava um combate para a Vida.

Um abraço à Isabel

Manuela Baptista