27 setembro 2009

Cansaço




Aos olhares e ouvidos alheios, não deve ter já qualquer significado este pulsar contínuo que sinto, vindo de dentro, e escorrega e ecoa como num poço fundo.
Este pulsar chama-se dor; chama-se saudade imensa.
É, ainda, chama quente e viva.
Sei que é quase invisível; um breve suspiro mais audível ou um desejo secreto de sair e voar; de deixar de ouvir o que se diz; de deixar de ver o que se vê.
Sair e deixar de estar ali ...
Para voltar atrás, por um tempo, de que só eu conheço as bermas, as barreiras, os perigos, as pedrinhas do caminho.
E regresso!
Regresso, sempre, atrás; olho por cima do ombro e revejo a estrada que trilhei ... terei sido eu?
Aquela que se ergueu?
Contigo!
Ou a que, agora, baixa os braços de cansaço e se entrega à solidão?



Não um adeus distante
Ou um adeus de quem não torna cá,
Nem espera tornar.
Um adeus de até já,
Como a alguém que se espera a cada instante.

Álvaro Feijó

5 comentários:

manuela baptista disse...

-Voltei!-disse o Ganso.

Vi luz no fundo do poço e quis saber quem estava aí...
Trouxe comigo três pedras pequeninas, mas cada uma tem uma história e eu devo contá-las devagar, cada uma no seu dia e em cada dia um lugar.

Não queres vir até cá acima ter comigo?
Afinal eu sou um Ganso e a voar e a tagarelar sou muito bom, mas quanto a equilibrar-me à beira de um poço, tenho dúvidas e medo...

O quê? Tirar-te daí?
E se eu te emprestasse as minhas asas? Era fácil, mas terias que ter a leveza de um desejo e a força de um sentimento profundo!

Também tens medo? Compreendo...
Então vou-te atirar a primeira das pedras e contar-te a última das histórias...

Era uma vez um desejo, leve como uma pena de ganso e um sentimento tão profundo como o mar...

Manuela Baptista

Jaime Latino Ferreira disse...

CHAMA


Chama quente e viva
siga
volta e revolta
e que prossiga

Chama dorida
que não sabe
se retroceda
à vida
à morte
que não se quer dar por estar cumprida

Chama que me aquece
junto a ti
e me entristece
de me sentir só
no que senti

Chama que arde por ver
que não te verei mais
nem ao teu Ser

Chama que chama
grita
chora
sem encontrar teu eco
onde já mora

Chama é que não se apaga
fraga
cascata
e não desata
a dor que me transporta
e que me mata


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Setembro de 2009

Ana Cristina disse...

"No lugar dos palácios desertos e em ruínas
À beira do mar,
Leiamos,sorrindo,os segredos das sinas
De quem sabe amar.

Qualquer que ele seja, o destino daqueles
Que o amor levou
Para a sombra, ou na luz se fez a sombra deles,
Qualquer que fosse o voo.

Por certo eles foram mais reais e felizes."

Fernando Pessoa
"Poesias de Álvaro Campos

Beijinhos.
Nini

manuela baptista disse...

-Esta noite, a Lua está quase cheia, por isso terás mais luz e durante mais tempo, aí em baixo!-disse o Ganso, fazendo imenso barulho ao agitar as suas longas asas.

Estou cansado! Voei o dia todo e francamente, ninguém pensa, já não diria nos gansos, mas nas aves em geral.
As cidades estão loucas! Carros,buzinadelas, fios por todo o lado, chaminés, antenas... Agora, lagos lagoas, arvoredo calmo? Nada!!
Começo a entender porque é que ainda não foste capaz de subir...

Olha, hoje trouxe comigo este gato rafeiro. Segue-me há horas e não tenho coragem de o mandar embora.
Chama-se Gato e entende a linguagem dos gansos, tal como tu.

(o Gato senta-se ao lado do Ganso e diz delicadamente: Boa noite. O eco responde: Boaaaa noiteeee.)

Mas, tal como te prometi, tenho aqui a segunda pedrinha para te atirar e terás de a apertar na tua mão direita com toda a força, enquanto eu te conto a primeira das histórias.

Se estas pedras são mágicas?
Se o fossem, já não estavas aí, pois não?

Era uma vez uma cidade deserta, habitada por um só homem. E o homem perguntava:
-O que faço eu nesta cidade deserta?...

Manuela Baptista

António disse...

Uma Mãe que persegue no reavivar das memórias,persegue no reavivar do seu Amor Maternal.E não pode haver significado maior do que uma Mãe tentar eternizar o seu Sentimento contra a aparente definitividade da Morte...