11 julho 2009

Deste lado do espelho




O meu neto fez 11 meses.
O meu neto é meigo e alegre como nunca vi nenhum bebé.
Quando me sorri, sei que é para mim que sorri.
E que o sorriso dele é doce e maroto.




E ... vertiginoso o tempo passa.
E penso num outro sorriso também bonito, também doce.
Num sorriso que foi ficando lento e cansado e dormente.
Também me sorria e eu sabia quando aquele sorriso era para mim, mesmo quando se foi alongando frágil, numa almofada branca.
O tempo não encobre a doçura, às vezes, irónica e cúmplice desse sorriso.
Os meus olhos têm saudade; às vezes, vagueiam pelas fotografias espalhadas pela casa...
Não são mais que braços que se me estendem do passado.



O tempo passa sem que eu o sinta em mim, como se eu tivesse ficado presa, lá distante.
Relembro um dia, na Primavera de 2007, em que o David, com o seu natural (ou talvez não) optimismo, me disse "Estás a ver, mamã, um ano passou tão depressa!"
Fora um ano de quimioterapias contínuas, de sobressaltos entre a esperança e o desatino.
Mas passara depressa...
Embora, às vezes, nos parecesse lento o andar do tempo.
Mas ele achava que dali à cura seria só mais um "saltinho"!
Não custaria; aguentaríamos firmes como rochas.
Esse ano passou depressa, ... demasiado depressa passou tudo o que se seguiu.
Fomos arrastados por um vendaval que nada deixou, à passagem.
Só despojos.
Não houve abrigo para nós.
O tempo passa, passou, ... já não sei se depressa, se devagar.
Sei, apenas, que pesa muito.
Sei que, com facilidade, trepasso com o olhar todo o tempo que passou, como se fosse transparente, e revivo, com toda a nitidez e o mesmo tremor nas mãos e no peito, aquela migalha de tempo que nos permitiram, ainda, viver.



O meu tempo não é uma linha contínua que se desenrola, como o chegar das manhãs e o partir das noites.
No meu tempo, é-me permitido estar, estando ausente, noutro tempo.
O meu tempo rege-se por estranhas vertigens que ondulam ao sabor de invisíveis fios a que me agarro e me transportam, entre um lá e um aqui.

Devia ser possível viver a dois tempos ou a duas dimensões e sentir o calor que se estende, ainda, da mão esguia do meu filho e a ternura impetuosa das "turrinhas" do meu neto.
Devia ser...
Para que as lágrimas não irrompessem, às vezes, tão bruscamente, destes olhos que nunca vão secar.
Devia ser possível existir do "outro lado do espelho"...

4 comentários:

António disse...

Por detrás da candura de um sorriso de bébé há certamente mais de perscrutável e indizível,de benigno e espiritualmente profundo.Haverá maior Mestria do que a da Inocência ?...

manuela baptista disse...

A História Que Veio Detrás Para Aquietar Corações

Os Dez pequenos Corações ansiosos, confusos e emocionados encontraram, cada um à sua maneira e de cada maneira uma forma, a realidade imperfeita das coisas e das pessoas com as quais se foram cruzando.

O Coração Valente encontrou um homem sem coragem,
o Coração Precioso cruzou-se com um homem pobre,
o Coração Feliz conheceu uma senhora triste e deu-lhe alegria,
o Coração Apaixonado iluminou um jovem de coração desiludido,
o Coração Forte deu força a um coração fraco,
o Coração Quente aqueceu as pessoas frias e desapaixonadas,
o Coração Sábio modificou um tolo e deu-lhe sabedoria,
o Coração Exaltado preferiu um poeta,
o Coração Espelhado reflectiu e multiplicou corações
e o Coração Perfeito escolheu um menino e ficou junto dele para sempre.

O Coelho e o Dez de Copas, que desta forma passou a Ás de Copas, não souberam nunca o destino dos seus mensageiros, mas deste ou do outro lado dos espelhos tiveram a certeza que tudo estava bem.
O Coelho bebeu descansadamente um chá e o Ás fez um fullen com outros Ases.

Manuela Baptista
Estoril, 12 de Julho 2009

Ana Cristina disse...

Saudades sempre presentes do nosso querido David que sempre foi meigo como é agora o teu neto de olhos marotos e ternurentos.

1 beijinho da
Nini.

Jaime Latino Ferreira disse...

ISABEL VENÂNCIO


Minha Querida,

Vim aqui a muito custo.

Estou doente como, aliás, o explico no meu blogue, há-de passar mas entretanto não tenho mais do que as forças de ir alimentando o meu próprio blogue.

Por isso não o estranhe, um beijinho


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 15 de Julho de 2009