08 março 2009

Por um momento



Se ao menos sentisse que a minha vida tem um objectivo definido e útil, também para mim.
Se, ao menos, sentisse que a vida tem sentido e alguma lógica.
Mas não acho que tenha; nem a minha nem a vida, em geral, se não houver um fio condutor ou marcações que balizem os nossos percursos, em direcção a um qualquer porto de abrigo.
E se esse porto se dissolveu, subitamente, em névoa?
E se me perdi dos que buscavam a mesma Ítaca?
E se alguém ficou pelo caminho e não resistiu ao canto das sereias?
Assim? Subitamente?
Resta este borboletear constante em torno de episódios pontuais que sinto como vasos incomunicantes, estanques.
Assim é o meu tempo, em contínuos saltos, entre tempos e espaços paralelos.
Sem que o "agora" seja a continuação do "há pouco, há poucochinho..."
Sem que o "daqui a pouco" seja consequência do "agora"...
Nada coexiste neste porto envolto em neblina, a que me acolhi.
Continuamente, se sobrepoem imagens d'hoje, com restos de filmes escurecidos pelo uso e pelas lágrimas.
Em sobressaltos.
Subitamente.
Alguns sorrisos entreabertos.
Sobressaltos.
Sussurros chegados de tempos passados.
E, novamente, alguns sorrisos.
......
Subitamente...um toque de telefone.
Alguém, um brasileiro, pergunta se é da casa do David...
Quer ajuda num projecto de música, percussão...d'j
Conhece (conhecia) o David.
Muito dedicado à música.
O site do David continua.
Não lhe mexemos.


6 comentários:

Anónimo disse...

E a Isabel sente-se, na maior parte das vezes, como não estando a fazer parte do filme, não é? Parece que está de fora....que avida que está a acontecer não é a sua.Só o tempo aliviará essa dor, mas é uma cicatriz para a vida. Vai ficar sempre como que dormente, mas nunca adormecida.
Um grande bjs,
MM

Anónimo disse...

POR UM MOMENTO


Por um momento senti
Que o fio que me enrola a ti
É todo o tempo que trago
E que me enrola de lado

Vai de um extremo do que agarro
Até ao outro do lago
Percorre o mundo que vi
Que desagoa e senti

Pode ele perder-se em si
Pode não ver que vivi
Pode cantar como um fado

Não posso fingir que amarro
O que não cabe num estrado
Já que tudo vive aqui


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 11 de Março de 2009

Anónimo disse...

CRISÁLIDA

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas
Que já têm a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos
que nos levam sempre aos mesmos lugares...
É o tempo da travessia
E se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado para sempre
À margem de nós mesmos."


(Fernando Pessoa)

António

Anónimo disse...

Sentido Porto

Entre promontórios baías e rochedos
Viajo repleta de tristeza e pranto
O meu corpo sente a angústia destes medos
Como tempestades misturando-se em canto

Os meus cabelos encharcam-se em vento e sal
Emudeço estremecida ao avistar faróis
Erguidos solitários como catedral
No extremo das ilhas que cantam os heróis

Mas apesar de só e tão cansada
Procuro corda ou mastro que sustente
Este navio perdido em busca de enseada
Porto de abrigo que a fortuna me consente

Manuela Baptista
Estoril, 12 de Março 2009

Ana Cristina disse...

"Escreve numa sala grande e quase
Vazia
Não precisa de livro nem de arquivos
A sua arte é filha da memória
Diz o que viu
E o sol do que olhou para sempre o aclara"

Sophia de Mello Breyner

1 bj
Nini

Anónimo disse...

ANA CRISTINA

Parafraseando Sophia, apetece-me escrever:


Escrevo na minha sala pequenina
Sem precisar de outra que não a minha
Memória em diálogo com a tua
No brilho que dos olhos nos desnuda


Beijinhos para as duas


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 15 de Março de 2009