02 março 2009

Lado nenhum



Ao deitar ou ao anoitecer, o silêncio dos cantos da casa trazem-te de volta.
Ou levam-me. Para lado nenhum...
Se te trouxessem, saberia. Sentiria.
E não sinto.
Sei que sou eu que me ausento, mais liberta das rotinas de cada dia que se acaba.
Sou eu que me abandono, liberta, a todas as imagens, a todas as recordações sempre coladas a mim; mas reclusas de uma força inconsciente que me imponho.
Há as rotinas, há a vida... Mais dos outros que da minha.
Mas, à noite, sonâmbula, anseio pelo sossego do meu quarto e pela fotografia na mesinha de cabeceira, onde finges dormir, com um sorriso ensaiado.
É a mesma desde...
Às vezes, quando a insónia teimosamente persiste, pego nela.
Afago-a, encosto-a ao peito e tento dormir.
É o Manel quem ma tira e volta a pôr na mesinha.
Assim, se escoam os meus dias e as minhas noites.
Ininterruptamente iguais.
Iguais, sem ti.
Aqui.



De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?
Por que caminhos seguem,
Não os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo?

Fernando Pessoa

7 comentários:

Anónimo disse...

ABANDONO

A mesa que sustenta a tua imagem
É como lanterna acesa
Pelos cantos de uma casa
Em busca da saída para o vento

Manuela Baptista
Estoril, 2 de Março 2009

Anónimo disse...

Este é um blogue profundamente belo e comovente...António

Anónimo disse...

É O OUTRO OLHAR

( Diálogo com Pessoa e Isabel )

De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos?

-É um outro olhar panorâmico que se desprende mas que não deixa de estar preso a mim.

Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?

- Vê o que pensando ao pensamento vê e o acrescenta àquilo que vejo.

Por que caminhos seguem,
Não os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo?

- Por ter passos comigo o que é real, meus passos seguem por caminhos feitos de realidade e sonho que tanto podem ser tristes como alegres.

Recordações reclusas de uma força inconsciente que me imponho, olho somando ao meu um outro olhar que não dispenso e que adormece, por fim, tranquilo, quando por fim, afagado, com ele adormeço.


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 2 de Março de 2009

Anónimo disse...

Aquele de quem pouco falamos


Queria aqui falar daquele que estando sempre presente, passa por aqui silencioso e discreto.

Aquele que amou o que foi duas vezes seu filho, na alegria e na tristeza, na coragem e na impotência, na revolta e na aceitação.

O que sustenta a dor quando as lágrimas se soltam, o que vigia os sonos e as insónias, para que os dias sejam mais doces.

O que aconchega retratos pela madrugada para que a memória dos rostos não se perca, para que mãe e filho sonhem juntos e não tenham medo.

Manuela Baptista
Estoril,3 de Março 2009

Ana Cristina disse...

Manuela

O Manuel é um ser humano único.

Foi bom ler as suas palavras sobre aquele de quem pouco falamos mas que esteve e está sempre atento à minha querida irmã.

Aquele que escreveu "...o David foi uma estrela fulgurante...".

1 beijinho da Nini.

Carecaloira disse...

Olá Isabel,

fiquei tão feliz por me ter escrito, por no seu silêncio me trazer no seu pensamento.
Passo por aqui várias vezes mas não escrevo, sei que a sua dor é imensa e a saudade... essa só aumenta de dia para dia. Muitas vezes nem sei o que lhe dizer, apenas que tenho um ombro sempre disponível e que gostava muito de a abraçar.
Obrigada pelos elogios mas não sou uma heroína, apenas uma lutadora que quer sobreviver, ainda sou muito nova e quero muito ver o sol da minha vida, a minha pipoca, crescer.
Obrigada mais uma vez, não imagina como a sua mensagem foi importante.
Um beijo bem grande e um abraço apertadinho.
Marina

Anónimo disse...

SAUDADE


De um tamanho sem idade
É a saudade metade
Da terça parte que trago
Junto a mim e que afago

O outro terço ao meu lado
És tu meu querido meu fado
Padrasto de um filho que invade
As horas da minha tarde

Sobra um terço irmandade
A dorida qualidade
Do que em mim perdeu bocado

Esse sou eu junto ao Sado
É um rio em que eu nado
E choro a minha cidade


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 4 de Março de 2009