28 março 2009

Uma carta



Obrigada, Jaime
A sua "carta" à Olga diz tudo o que quero para ela.
Que se deixe embalar pela doçura e bondade do David e que siga em frente.
Que seja feliz e que o brilho das luzes do David lhe apontem o caminho.
Nesse caminho, ter-me-á sempre como mão amiga, mão grata por toda a ternura e alegria que deu ao meu filho.
Ela sabe bem que é assim.
Seria, de facto, tudo aquilo que o David quereria para ela - "o anjo da guarda" dele.
E para mim... a tal "mãe coragem" que terei sido...
Mas eu ... vou andando ao sabor dos sons e sonhos dele.




Olá, caros ouvintes!
Hoje, vamos falar sobre mais um músico que não está propriamente inserido no mundo do jazz nem poderá ser considerado exclusivamente como um músico de jazz.
É um músico e pronto.

Barry Adamson é o seu nome.
Este rapaz está ligado a pessoas tão ilustres da música popular como por exemplo Nick Cave.
Barry era um dos Bad Seeds, isto porque não sei se ainda será.

O que importa é que este senhor é um experimentalista e o disco que vou passar é todo ele muito diferente de tema para tema.
Claro que este é um programa de jazz e vamos ouvir um tema clássico de jazz.

Antes de terminar gostava de avisar-vos, mais uma vez, que existe o email, jazzfaztarde@hotmail.com, à vossa disposição para me colocarem questões e dúvidas.

Até logo que...

Jazz Faz Tarde
(David Sobral)


Link

24 março 2009

Só um pouco de ilusão



Olha, meu filho, não resisto, às vezes, a fingir que me podes ouvir...
Triste ilusão a minha, não é?
Às vezes, penso também que, de alguma forma, nos prepararam, a ti, a mim, ao Manel.
Recordo, agora, aquelas frases ditas a medo "Isabel, tens que aproveitar ao máximo companhia do teu filho..."
Eu percebia mas fingia.
Ou acreditava mesmo que aquela realidade opaca, à minha frente, não podia existir.
Que era possível avançar, avançar, todos os dias, mais um bocadinho.
Só mais um bocadinho, se possível...
De que outra maneira poderíamos ter aguentado?
A verdade não pode ser dita a quem é tão jovem, tão cheio de vida, tão forte, apesar de tão frágil.
Não pode ser dita a quem não tem mais do que a própria esperança de vida.
Por isso, não percebo aquela reportagem do Público do fim de semana passada; onde os médicos dizem andar a aprender a saber dizer aos doentes que vão morrer.
Se for alguém em idade de morrer ...
Se for alguém que precise de deixar a vida "organizada"...
Se for alguém que precise e insista em saber...
Posso compreender.
Mas quando nada há a organizar, nada há perder...
Quando as perguntas não surgem; porque se receia a resposta?
Querem insistir em dizer?
Não percebo.
E por muito que me critiquem, acho que a notícia duma morte anunciada a um jovem que não desiste de lutar, embora possa suspeitar, é pior do que a tão perturbadora e polémica eutanásia, junto de quem estando vivo, porque apenas o coração ainda bate, está dorido, está "morto" para si e para os outros; um corpo sofrido numa cama, donde nunca sairá, donde não acordará. Amarrado a uma prisão que se chama dor. Só dor.
Mas quando se é autónomo e se sabe que "algo" lá dentro não está bem e, no entanto, se despreza a doença...
Então esta notícia é, de facto, a morte! Uma morte mil vezes mais dolorosa; estando vivo, estando acordado, estando apaixonado pela vida e querer saboreá-la até ao fim...
E, então, que o fim seja apenas um adormecer lento e profundo.
Sabendo, sentindo uma mão meiga, ali, pertinho.
Segura e calma, que, ainda assim, nos acompanha.
Foi bom ter sido assim...
Podermos ter bebido cada gotinha de vida.
E tenho saudades ... de ti, de cada bocadinho de tempo, de cada sorriso mesmo ténue, de cada momento de engano, de cada mentira piedosa.
Não teria sido possível, de outra forma.
Estranho dizer "foi bom ter sido assim" e sentir-me triste.
Uma tristeza tão imensa.




Astor Piazzolla

Olá, caros ouvintes, hoje a semana começa com um músico que, não sendo um músico de jazz, deve muito ao jazz e o jazz também lhe deve muito a ele. O convidado de hoje chama-se Astor Piazzolla e é argentino.

Este nosso convidado apesar de ter aspecto de avô rezingão é um senhor com óptimo sentido de humor. Nos concertos e nos intervalos entre as músicas Astor fartava-se de dizer piadinhas e de pôr o público a rir. Astor Piazzolla falava espanhol, francês, alemão, inglês e penso que também grego e turco.

Inicialmente, Astor queria ser um compositor de música clássica por estar farto da música argentina. Até que um dia, a compositora e sua tutora Nadia Boulanger lhe disse que ele se devia virar para as suas raízes e construir dali a música que queria.
Foi então o que Piazolla decidiu fazer - olhar para o Tango e a transformá-lo.

Desta forma Piazzolla criou aquilo a que chamou ele próprio o “Nuevo Tango” e tornou-se no compositor argentino mais conceituado do mundo.

Por hoje já chega de teoria e vamos passar à prática. Fiquem com o Astor Piazzolla.

Até logo que... Jaaz Faz Tarde

David Sobral (Setº 2003)



Astor Piazzola

23 março 2009

Borboletas amigas


As borboletas do Jaime ou os amigos do Blog?


Os meus amigos do blog são de uma imensa generosidade. Atentos às minhas quebras de ânimo...
Parece que já me conhcem há muito tempo e detectam a saudade e desânimoem que, às vezes, me afundo.
O meu psi é um encanto de pessoa; preocupa-se comigo e quer que eu seja aquilo que ele designa por "uma avó saudável".
E eu esforço-me por isso.
O meu neto merece-o e o Sérgio também.
E o Manel mais que ninguém; está sempre atento, pelo canto do olho.
Mas é difícil, tão difícil...
O meu psi vai-me pedindo uma coisinha de cada vez...ele sabe bem que não sou uma paciente obediente: Acompanhou-me, desde que lhe apareci, desesperada, louca no início da doença do David, sabendo a crueldade do prognóstico e "sofreu" um pouco comigo.
É humano; tem filhos...
Percebi que a mãe a quem um filho morre é também o caso mais triste que um psi, sensível como ele, pode aceitar. Ele sabe que é uma dor imensa!

Já lhe fiz algumas cedências: deixei de escrever cartas diárias ao David, antes de dormir; reduzi alguns passepartouts que tinha nas paredes, em todas as prateleiras e cantinhos da casa. Lembro-me de ter comprado quase 50, para distribuir entre aqui e Moledo. Todas as fotografias me pareciam imprescindíveis (e são cá dentro de mim)...
Aceito jantar em casa de um ou dois amigos mais próximos, nossos e do David. Dos restantes imensos amigos...ainda não.
O pânico toma conta de mim quando se aproxima qualquer evento onde se juntem mais de 5 ou 6 pessoas. Começo a ficar com a boca seca; o coração salta e desisto. Não saio, não vou.
Não tenho coragem e habituei-me demasiado à solidão.
Canso-me das conversas; não sou capaz de me concentrar e, sempre que posso, começo a falar do David.
Aproveito cada pretexto.
E choro, choro sempre...

Por tudo isto, gosto tanto dos meus amigos do blog. Posso partilhar, sem que me vejam, sem que eu os vejo ou os sature porque só vão ao blog, quando querem.
E eu grito em silêncio, falo deste meu canto de tudo o que pode explodir, se não o referir e se não o vir aqui, registado a negro.
Da saudade
Da incompreensão
De (quase) ter a certeza de que a morte do David não era inevitável
Da revolta contra os médicos; não lhe terem prestado atenção, quando ele se queixava
De não terem interpretado os sinais
Do meu olhar em redor e, às vezes, não saber o que me prende
Da saudade que pesa mais se alonga na proporção do tempo que passa
Da tristeza imensa, indescritível
Da crueldade por parte de alguns
De não me reconhecer nesta vida que não projectei
De me ter calhado o que cada mãe mais teme
De tudo ter ficado pela metade...
Do vulcão que nos varreu para para uma outra margem
E da música.

E, porque o amor do David à música foi uma constante no seu curto percurso pela vida, vou passar a colocar, aqui, os programas de Jazz que passaram na rádio universitária de Coimbra e que preparava e actualizava para propor a uma rádio normal.
Fica mais um bocadinho do David por aqui, através de mim.



Miles Davis

Actualmente o jazz vive sob todas as formas que aqui divulgamos ao longo das últimas edições do jazz faz tarde que são: o estilo de New Orleans, o Swing, o Bebop, o Cool e o Free Jazz.

Uns preferem tocar ao estilo New Orleans, outros Swing e ainda outros tocam apenas Free Jazz.
Cada um escolhe aquele com que se identifica mais.
O Jazz é liberdade em forma de música.

Hoje vamos ouvir um tema de Miles Davis da sua fase de jazz-rock.
O tema chama-se “John McLaughling” que pertence ao disco “Bitches Brew”.
Este disco é considerado o mais significativo do estilo jazz-rock ou fusão, criado pelo trompetista Miles Davis.

Confesso que este é o meu disco de jazz preferido e portanto espero que gostem também.
Até logo.... que Jazz Faz Tarde

DAVID SOBRAL

Miles Davis

22 março 2009

O David gostava da Primavera




Ontem,
foi o início
da Primavera
Da renovação da natureza
Do florir das minhas árvores
Das noites mais amenas
Do canto dos grilos
De mais estrelas no céu, por cima do meu pátio, em Moledo
Do cheiro a jasmim, junto aos muros
Das bancas de fruta, na berma da estrada
Do cheiro de relva cortada
...........
O David nasceu na Primavera
Na Primavera, o David arregaçava as mangas!
E punha óculos de sol.


Mas, hoje
- porque o meu tempo se fundiu no Tempo -
foi o início de um final triste.
Foi o início de "Não saber o que me espera".



22 de Março de 2006
Resultados dos exames do David.
Envelopes abertos nos meus joelhos.
Estava lá tudo...
Não é possível!
Nova leitura...
Eu, dentro do carro.
Eu, paralisada.
Não há engano???
Eu sem ar.
Eu a conduzir por Gaia...
Sem saber para onde.
Sem saber para onde.
Sem saber com quem falar.
Sem saber com quem falar.

Sem saber o que esperar...



20 março 2009

Inquietação



Percebo a preocupação do meu psiquiatra, quando me explicou que o David vai, cada vez mais, ser uma "coisa" minha. Que o falar muito da morte do David vai afastar as pessoas de mim.
Tenho reparado que, quando falo do meu filho (e que é muitas vezes), algumas pessoas mudam rapidamente de conversa.
Dizem-me que não devo falar porque sofro.
Como se o não falar me fizesse esquecer ou apagar do pensamento.
Sou, isso sim, incómoda.
Transporto comigo o reverso da vida; o fim; a partida de um filho.
Só o pensar nisso incomoda os outros.
A tristeza não é bem vinda neste dia-a-dia apressado, onde só o sucesso importa, onde é preciso manter a todo o custo a aparência de que somos fortes, seguros e determinados e, até, bem vestidos e "elegantes", onde os sentimentos ou os desabafos são vistos como fragilidades.
Não, isso, agora, não interessa; o que conta é sorrir, sorrir sempre; estar bem, não ter problemas à vista, ouvir as coisas só pela metade para poder estar atento a outras metades de conversa, na mesa ao lado ou ao fundo do corredor
Numa escuta constante, para não deixar escapar alguma coisa e perder o comboio.
Emanam uma euforia e agitação constantes.
Não se pára para olhar os olhos dos outros.
Na falta de temas soft, ligeiros e vazios que preencham as conversas, é preferível o silêncio.
Parece.
...
O David foi um exemplo muito nobre de como se pode viver, sabendo que virar a esquina pode não ser possível.
O David enternecia toda a gente.
O David viveu sofregamente a música, as luzes, as amizades, a vida.
Porque não falar dele, então, se nos pode indicar o melhor caminho a percorrer?
Eu sinto a dor, a saudade, o vazio...
Percorri com ele e como ele essa parte incerta da vida.
Tinha esperança, apesar de ma tirarem sempre e sempre e sempre.
...
Os outros podem limitar-se a tê-lo como um bom guia.
É quanto basta.
Mas eu...não.
É aqui que mora o David.
Onde posso falar...
Onde posso lamentar não ter aprendido com ele a não me ir embora de mim mesma.




Quem me dera ser
Tudo o que sonhei
Ser
Mas também terminar
Como tudo o resto
Termina

Se quiseres viver
para sempre

Deves viver o hoje
Apenas o hoje
A vida é o habituarmo-nos à morte diária.

David Sobral

18 março 2009

À Branca, lutadora por boas causas



A propósito do LANÇAMENTO DE "Margens de Afectos" ...

"Mas nasce-se sempre do ventre de uma mãe." - Aida Baptista

E quando morre o fruto desse ventre?
O que fica dessa árvore que secou?
Onde as Primaveras e novos rebentos de Março?
O que fazer desse vazio desventrado...que se esfuma por entre os dedos ávidos dum calor que, subitamente, arrefeceu.
Que fazemos desse ventre vazio?
Deste tempo sem tempo?


AO TEMPO

Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,

Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida

A um tempo aproximando e distanciando...
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando

Tempo, vais para diante ou para trás?
Dante Milano

08 março 2009

Por um momento



Se ao menos sentisse que a minha vida tem um objectivo definido e útil, também para mim.
Se, ao menos, sentisse que a vida tem sentido e alguma lógica.
Mas não acho que tenha; nem a minha nem a vida, em geral, se não houver um fio condutor ou marcações que balizem os nossos percursos, em direcção a um qualquer porto de abrigo.
E se esse porto se dissolveu, subitamente, em névoa?
E se me perdi dos que buscavam a mesma Ítaca?
E se alguém ficou pelo caminho e não resistiu ao canto das sereias?
Assim? Subitamente?
Resta este borboletear constante em torno de episódios pontuais que sinto como vasos incomunicantes, estanques.
Assim é o meu tempo, em contínuos saltos, entre tempos e espaços paralelos.
Sem que o "agora" seja a continuação do "há pouco, há poucochinho..."
Sem que o "daqui a pouco" seja consequência do "agora"...
Nada coexiste neste porto envolto em neblina, a que me acolhi.
Continuamente, se sobrepoem imagens d'hoje, com restos de filmes escurecidos pelo uso e pelas lágrimas.
Em sobressaltos.
Subitamente.
Alguns sorrisos entreabertos.
Sobressaltos.
Sussurros chegados de tempos passados.
E, novamente, alguns sorrisos.
......
Subitamente...um toque de telefone.
Alguém, um brasileiro, pergunta se é da casa do David...
Quer ajuda num projecto de música, percussão...d'j
Conhece (conhecia) o David.
Muito dedicado à música.
O site do David continua.
Não lhe mexemos.


04 março 2009



Não sou daqui, nem de nenhum outro tempo exacto.
Aliás...
Hoje, não me sinto eu.
Amanheci assim, numa ausência sonâmbula.
Não sei, no entanto, quem é esta que sinto, dentro de mim.
Incompleta e solitária.
Tolhida da saudade sempre igual...
E solitária, apesar da tanta gente que me envolve de carinho, de atenção, de paciência.
É qualquer coisa de interno.
Vertiginoso e inesperado, apesar de sempre latente.
Vem de dentro das próprias entranhas mais profundas e nada depende de mim.
Vai subindo, subindo até não ser possível não sentir este ferrão na carne; este enjoo só de respirar; esta raiva de ver o Sol (mesmo encoberto) nascer, pontualmente...
É que tudo está errado.
Tudo está no seu lugar.
Menos a minha existência, aqui, que te aguarda, por vezes e ainda, "no limiar de uma súbita ausência..."
E obrigo-me a tactear, neste limiar sombrio e silencioso, e a segurar-me sem força, a uma corda frágil.
Hoje, não me sinto eu.
Quero silêncio, apenas.
Talvez, fechando os olhos, te possa ver.
Talvez, tapando os ouvidos, te possa ouvir.




Isola a minha vida.
Isola-a com camadas
de neblina
densa,
no sopé da colina
da saudade.

Princesa Shíkishi
(1153-1201)

02 março 2009

Lado nenhum



Ao deitar ou ao anoitecer, o silêncio dos cantos da casa trazem-te de volta.
Ou levam-me. Para lado nenhum...
Se te trouxessem, saberia. Sentiria.
E não sinto.
Sei que sou eu que me ausento, mais liberta das rotinas de cada dia que se acaba.
Sou eu que me abandono, liberta, a todas as imagens, a todas as recordações sempre coladas a mim; mas reclusas de uma força inconsciente que me imponho.
Há as rotinas, há a vida... Mais dos outros que da minha.
Mas, à noite, sonâmbula, anseio pelo sossego do meu quarto e pela fotografia na mesinha de cabeceira, onde finges dormir, com um sorriso ensaiado.
É a mesma desde...
Às vezes, quando a insónia teimosamente persiste, pego nela.
Afago-a, encosto-a ao peito e tento dormir.
É o Manel quem ma tira e volta a pôr na mesinha.
Assim, se escoam os meus dias e as minhas noites.
Ininterruptamente iguais.
Iguais, sem ti.
Aqui.



De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?
Por que caminhos seguem,
Não os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo?

Fernando Pessoa