04 dezembro 2008

Yo soy Maria de Buenos Aires



Mais um passeio pela FNAC.
Chove; o dia escurece cedo.
Fujo de que fazer, qualquer fazer útil aos olhares dos outros.
Dizem-me que não devo ficar em casa. E saio, embora continue, não em casa, mas num lugar espaço onde permaneço, mesmo ficando em casa.
O nevoeiro e humidade, que se instalaram, perturbam.
Certas imagens instalam-se, como sempre, dia a dia. E regresso, não ao ano que passou (porque já não estavas!), mas ao ano da mudança; ao ano em que deixei de ser, a 2006.
E relembro esta época, num misto de amargura ansiosa e entusiasmo receoso.
Revejo os concertos do Bernardo Sassetti, em Lisboa.
Percorro as ruas do Chiado, próximas do hotel, onde nos instalámos.
Viajo até aos Açores, para espectáculos do Drumming... As paisagens verdes das ilhas e o azul do mar agitado, sinto-os salpicados de incertezas.
Regresso aos sítios da minha infância, ao Alentejo, a Ourique e Castro Verde, para mais um concerto do Bernardo Sassetti.
Andávamos atrás de ti; eu e o Manel. Apesar de distantes, para não perturbarmos.
Dessas terras, onde fui feliz, guardo apenas nostalgia que senti, ao revê-las.
Nada podia voltar a ser o que fora. Nunca se regressa e, então, menos do que nunca.
Havia o antes, houve o durante e há o depois, este agora. Os caminhos já não se cruzarão.
Desapareceram e naquele que ficou, neste espaço onde me movo, abri novos caminhos.
São atalhos lamacentos, curtos, apertados, tortuosos, cinzentos e húmidos.
Vou alargá-los e salpicá-los de verde, quando puder.
Para que possa percorrê-los acompanhada dos amigos e de quem me quer bem. E são tantos!
Tenho tanta sorte em ter tantos, tantos amigos...
No entanto, as travessas que percorro são estreitas e sinuosas; mal chegam para mim, agora.
Assim me passeei, sozinha, pelos corredores da tua música e, agora, dos livros infantis do meu neto e seus pais.
Por vezes, vejo, nitidamente, uns auscultadores nos ouvidos e os teus olhos sobressaírem, por cima do corredor do jazz...
Era como eu te procurava, quando calhava irmos juntos e nos perdermos.
Na minha cabeça, permanecem sons familiares.
Como este que fui procurar - Yo soy Maria de Buenos Aires - Astor Piazzolla.
Tenho estas âncoras.

5 comentários:

Anónimo disse...

Queridas Olga e Ouvinho,


Há um céu imenso e sem fim, próximo contudo, no interior de cada um de nós;

Há o conceito astronómico de céu que escrevo também com minúscula e que é o nosso destino próximo, físico, astro-físico e que até ver, dependendo do evoluir do conhecimento é o limite, no sentido de destino, uma dos caminhos, o macrocósmico e por antinomia ao microcósmico e que se vão ambos revelando desdobráveis e sem fim aparente;

Há o Céu com maiúscula!

Próximo mas distante, ilimitado e que mal pressentimos ...

Sem espaço, nem tempo e sem
contornos definidos, extasiante!

Que, se bem que nos aproxime nos impede, por ora, de aceder ao ... David!

Um beijinho para ambas e obrigado pela coloquial e afectuosa conversa!

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 6 de Dezembro de 2008

Branca disse...

Querida Isabel,

Passo para lhe deixar um beijinho.
Vou andando por aqui, vou-a lendo, são tão ricos os seus textos, tão densos, eles próprios uma forte âncora, que por vezes não vejo necessidade de mais nada que não seja deixar-lhe um beijo.
Beijinhos.
Branca

Anónimo disse...

Lugares

Lancei âncoras
Por corredores imensos
Passeei os dedos
Por imagens e sons

Desejei que os teus olhos
Encontrassem os meus
Que os teus ouvidos
Escutassem a minha voz

Na solidão húmida
E cinza deste tempo
A esperança habita ainda
A nitidez da dor

Manuela Baptista

Estoril, 5 de Dezembro 2008

Isabel, eu não falo por si, tento apenas compreendê-la.

Inspiro-me colocando-me no lugar do outro.

Um abraço
MB

Anónimo disse...

ESCLARECIMENTO

Um ouvinho é um ovo pequenino que ... ouve!

Peço perdão pela fusão involuntária mas oportunamente semântica a quem ao nome o adulterei.

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 7 de Dezembro de 2008

Teresa disse...

Olá, Isabel.
Já lhe enviei o e-mail. Agradeço o seu. Muito.

Permita-me que me dirija, mais uma vez, ao seu comentador Jaime.

Jaime, sabe... Num momento específico da minha vida, não tão afastado quanto isso, foi ao que me agarrei: que o céu era o limite.
Porque olhava para o alto e nada mais via a não ser ele, enquanto buscava algo, alguém, nem sei...
Depressa compreendi que de nada me valia, e pelos motivos que o Jaime disse anteriormente. A distância, afinal, entre mim e o céu é tão imensa. Meu Deus, tão imensa que se torna tão longe do limite daquilo que os meus viam e procuravam.

Nada nos faz chegar a nada, afinal, não é?

Isabel, tenho partilhado as suas palavras com a minha Mãe, que esteve comigo, aqui em casa, uma semana.

Das duas, envio um abraço.

*

Outro para o Jaime, mais um para a Olga.