22 dezembro 2008

Um estar de certa forma...



Apesar de tudo.
Descubro que é possível sorrir, com o amargo cá dentro.
Sou capaz de falar, sem bem saber do quê.
Sou possivelmente duas, sem que o mundo desabe.
É possível a ternura porque muita recebi.
Ergui muitas portas, atrás das quais me posso esconder. Dali, posso ver. Mas não posso ser vista.
Dali vejo o mundo que gira, rodopia no eterno círculo, em roda do Sol. De roda, de roda...
E eu de roda, de roda, persigo-o.
É a lei da vida.
Mas parte do meu rodopiar não segue essa estrela antiga. É uma estrela vulgar.
Existe uma outra estrela oculta que eu persigo e sigo e sigo.
Procuro-a, sempre, levemente, subrepticiamente, sem que os outros se apercebam desse meu incessante procurar.
Há pedacinhos de tempo que roubo ao tempo.
Um intervalo, um escapar-me pelo tempo de um cigarro, na janela da cozinha, olhos postos no escuro do céu estrelado.
Um acaso, um descuido, um esquecimento de um livro ou um CD junto a uma fotografia ... um sorriso.
São gestos não pensados mas sentidos.
Pedacinhos de tempo que roubo.
Inofensivos.
São gestos meus. Refúgios transparentes. Nada significam para os outros.
Não vêem.
Estou escondida atrás duma das portas que coloquei entre mim e mim.
Entre mim e os outros.
Entre o agora e o momento de fixar uma outra imagem que vem e logo vai. Vem e volta...
E se perguntarem se foi esquecimento, posso, com lágrimas invisíveis, sempre sorrir, fingindo que sim.
Que me esqueci.
E se perguntarem por onde andei... direi, "por aqui!"
Pois, se não me ausentei!
E, no fim, posso sempre piscar-te o olho, como fazíamos - "Eles não entendem!"

1 comentário:

Anónimo disse...

FORMA

Forma é aquela que tu deixas

Partir como ficar

Escorrer por entre as madeixas

Esconder-se sem se tocar

Sem que se veja seu estar

-.-

Forma é o que Lhe deste como ameixas

Fruto suculento de abismar

Espremido por entre as queixas

Em teu desgosto imenso de chorar

E que tu não páras de cantar

-.-

Forma é a forma como seixas

Pedrada que te traíu o olhar

Que te fechou tuas reixas

Mas que te abriu este altar

Na tua vontade de amar

-.-

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Dezembro de 2008