12 dezembro 2008

"O sofrimento devia ser o instrutor dos sábios; porque mágoa é conhecimento..." disse Byron


A propósito de me dizerem "O neto vai preencher o vazio...".


O tempo.
Só o tempo passado e pensamentos vagos comandam esta minha vida presente.
Errado? Talvez!
O tempo aparece-me, agora, de um modo completamente diferente.
Sabia que ia ser assim. Prepararam-me para isso.
Agora, sei que é e será assim.
Não se trata de não dedicar o mesmo carinho, a mesma atenção a todos aqueles de quem gosto, de quem gostei, de quem gostarei.
O carinho é o mesmo; pode até ser maior; a pessoa que o dedica é que é menos.
Não há retorno a quem eu era.
Ficou um fragmento de vida para trás.
O poder do passado, do meu passado é imenso; não pode ser ignorado.
É um passado de mãe inteira que se apodera do presente e impede o olhar o futuro sem medo.
Sem as janelas voltadas para trás, que se foram abrindo no percurso da minha vida, não é possível a minha existência.
É uma quase certeza que o meu coração pressente.
Também é uma certeza que a minha mágoa seria maior se não fosse partilhada.
Também é uma certeza que o sorriso do meu neto passará a ser uma imagem que se vai fixando, com contornos cada vez mais bem definidos, na minha memória.
Mas o meu neto, antes de tudo, é filho.
É filho do meu filho.
E quero para o meu filho o que, sempre, quis para mim - o amor dos meus filhos e ter um lugar bem grande no coração deles.
Não quero ocupar mais do que me cabe esse novo coração pequenino e esses olhos que, ao acordar, sorriem de forma tão doce ao "papá" e à "mamã".
É assim que eu entendo o Amor.
Independentemente da dor que me acorda, em cada amanhecer.
Apesar da mágoa e do vazio.
Apesar do futuro...


DEPOIS DE AMANHÃ

O amanhã é já hoje
Extingue-se ao bater desprendido
Do coração
E dá-se a queda
Abissal e sem travão
E cai em queda
Livre
Vertiginosa
Que ao bater da mariposa
Poisa
E se arrepia na queda que se pára
Trava
Que trava e trava
Ampara
Travamparaquedapoisalivrextinguebatehojeamanhã

Depois de amanhã

Jaime Latino Ferreira

1 comentário:

Anónimo disse...

MÁGOA

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa nódoa ou mancha ( ... ) impureza, mácula, desgosto recolhido cujas marcas transparecem no semblante, nas palavras; tristeza, amargura, pesar, sensação desagradável causada por agravo ou indelicadeza; ressentimento.

Magoado ou ( ... ) melancólico ( ... )

Magoar ou ( ... ) inspirar ou sentir compaixão; comover-se, condoer-se ( ... ).

Donde concluo:

Se eu não me inspirar nem sentir compaixão, se não me comover nem me doer, sofrer solidário com, se não me deixar tocar pelas nódoas, manchas ou máculas, pelas impurezas que logo transparecem nos semblantes ou nas palavras, se não for percorrido por sentimentos tão contraditórios como a tristeza ou o pesar, a sensação desagradável do agravo, da indelicadeza ou do ressentimento, se não me sentir magoado ou percorrido pela melancolia, se não sofrer, em suma, não serei instruído pela sabedoria que é a busca permanente daquele ponto certo no cruzamento dessa multitude corrosiva de sentimentos.

Se os não conseguir administrar ou encontrar, sem descanso, o balanço certo, dificilmente serei sábio e por muito que saiba.

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 12 de Dezembro de 2008