24 dezembro 2008



Já fiz os doces todos,nesta madrugada, até às três da manhã, como de costume.
Já tenho a mesa posta, como de costume.
Já parti o pão, já descasquei alhos, já está tudo em panelas, pronto a cozer.
Já tenho o perú no forno, para amanhã assar.
Fiz nova tentativa de pão de ló molhado. Só depois se saberá como saiu, desta vez, como de costume.
Já cozi o grão de bico para o Manel, como de costume.
Já tenho receio de que a comida não chegue...como de costume.
Já aspirei tudo, como de costume.
Tenho uma pinha verde para ir queimando e deitando cheirinho.
O Manel pôs música clássica, como de costume.
Eu pareço a do costume.
De avental, mangas arregaçadas e cabelo despenteado.
Mas não sou.
Como poderia ser, sabendo que nada voltará a ser, como de costume?
Não é e, contra todo o costume, vim para o teu escritório ensolarado e estou aqui, agora.
Deixei tachos e panelas.
Estou, aqui. Junto a ti, onde quer que estejas.
Porque...
Faltas tu, com as piadas do costume.
Faltas tu para me dizeres "Ó mamã, o jantar é só às nove; não aceleres."
Faltas tu, sentado no sofá, a fazer zapping, para chegares à conclusão que esta época não tem mesmo ponta por onde se lhe pegue, como de costume.
Faltas tu para ires roubando das travessas um sonho e dois ou três bilharacos.
Faltas.

Parecem coisas banais, comidas, televisão, mesa posta ... E são, de certa maneira,...
Mas, agora, não são porque faltas tu.
E tudo me parece estranho e irreal e despropopsitado, como o sol que bate, aqui, no meu teu antigo escritório.
E, no entanto, ...
À hora certa, porei, novamente, o avental.
À hora certa, serei, novamente, a cozinheira atarefada.
À hora certa, estará tudo pronto para receber quem vem.
Virá um bebé, o teu tantas vezes e tão desejado sobrinho.
Não vai querer desviar os olhitos das luzes da árvore de Natal que fiz para ele.
Mas, agora, meu filho, só estás tu, aqui neste meu coração cansado.
Agora és tu.

5 comentários:

Anónimo disse...

ÉS TU

I

És Tu que a esta e todas as horas ditas o que não sendo por Ti, sem Ti, nestas como em todas e no vazio imenso que se instala nas rotinas, nos afazeres, no dia-a-dia, no trabalho ou na Festa se desfazeria como castelo de areia levado pelos ventos e pelas águas ou de cartas que ao mais leve toque se desmorona em nada.

II

És Tu que dás o sentido omisso, escondido no que e do que foi e já não é mas que Contigo neste meu rezar, que é a reza uma forma de escrever, preenches tudo o que não estando lá a tudo infla dando-Lhe todo o paradoxal sentido e mesmo se descabido o sentir na Tua ausência.

III

És Tu ...

És mesmo Tu que a Tua mãe, Teu pai distante ou verdadeiro por presente Te ter acolhido e a todos os Teus semelhantes a todos os irmanas neste altar, ponto de encontro ou cruzamento salvífico onde de novo e sempre reunidos alimentamos a esperança de que o que vier venha para o melhor e mesmo se o sofrimento, de quando em vez, nos esmagar.

És Tu!

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Dezembro de 2008

Anónimo disse...

Isabel,

Continuo a visitar, silenciosamente, esta sua "casa". Mas hoje, tenho mesmo de lhe deixar um beijinho.

Isa

Ana Cristina disse...

À hora marcada estivemos todos lá como de costume.

Olhamos uns para os outros e sabemos sem falarmos que nada é como era costume ser.

Tivemos o sorriso do Miguel e os olhinhos curiosos sobre cada um de nós.
Aqueceu-nos o coração.

Mas também te tivemos a ti,de avental,despenteada,atarefada,cozinheira incansável e de "mão cheia" como era costume nos Natais antes da doença do David.

Pelo menos tentaste que assim parecesse.
Quem estivesse atento viu que de vez enquando te ausentavas,subias as escadas ou encostavas-te à janela da cozinha a fumar um cigarro.
Quem estivesse atento reconheceu o cansaço e a tristeza profunda nos teus olhos de mãe do David.

Porque os de avó estiveram sempre brilhantes e felizes.

Obrigada pelo calor da tua casa.
Um beijo da Nini.

Cátia disse...

Boa noite Isabel,

Costumo entrar aqui na sua casa ha ja alguns meses, desde que uma amiga comum me deu a conhecer. Nunca comentei, nunca escrevi, nunca me dei a conhecer. Entro, leio e vou em silêncio. Que lhe poderei dizer que ajude na sua dor?! Mas hoje, nesta epoca que muitos comemoram a familia e o estar junto, vendo a sua caixa de comentarios vazia perante este post (que imagino como não doeu ao escrever), decidi apresentar-me e deixar-lhe aqui um abraço e os parabens pela força que vai tendo e que vai crescendo ao longo do tempo.

Estou por perto.
Beijinho grande

Anónimo disse...

FORMOSURA


Do cimo de uma escada

No alto de seu cordame

Como anjo

Fada

Ou ente mágico

Mitológica figura

Pesco

E em minha enchada

Que é uma cana ou uma
espada

Enrolo e testo

Nesta estrada

Que do trágico

Se mistura na pintura

Colhendo do certame

Tudo o resto

Pescaria intensa

Formosura

-.-

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Dezembro de 2008