03 dezembro 2008



Fugi da escola.
Por uns tempos, poucos dias.
Não aguento o barulho. Não aguento ver tanta gente à minha volta. Não aguento os sorrisos de Natal que, depois, serão os mesmos sorrisos de sempre.
A alegria dos outros incomoda-me.
Porquê eu?
Em casa, não terão uma ausência pesada, à mesa, mais uma vez.
Sinto-me egoísta. Não sou assim...
Não era assim.
Sei que me compreendem; a amizade não se esvai assim.
Não quero que tenham pena de mim.
Não quero ser uma visão que perturba; a imagem da morte está associada a mim.
Quero que o Natal passe depressa.
Quero que o ano passe.
Passas para quê?
Será mais um...sem ti.
Vou pôr uma luzinha na rocha de Moledo. Durará toda a noite; vê-se do mar.

Mesmo assim, fiz uma árvore de Natal pequenina e com luzes a piscar para o meu neto. O que é para o meu neto é também para o meu filho e a minha norinha.
E o Manel e os meus pais e a minha irmã e a Diana.
Merecem.
Não têm culpa da minha dor, da minha revolta, da minha tristeza a transbordar de saudade.
Têm que ter direito a um pouquinho de felicidade.
Eu posso dar-lhes um pouco desse pouquinho.
Preciso de uns dias de nada.
Vou deixar que as imagens flash me percorram e se chorar, que seja nestes dias de nada.
Que seja sem que seja necessário controlar as lágrimas.
Porque essas, essas continuam a correr...agora, mais do que antes.
Com mais dor do que antes.
Mais pesadas do que antes.
Com mais espanto do que antes, porque tudo me parece inverosímil.
E o arrepio assalta-me.
E não percebo.
Não percebo como tudo aconteceu.
Há coisas que não podem acontecer!
E se acontecem?
Vem a escuridão e o abismo.
Vem o não saber por que caminho seguir.
Nenhum serve.
Todos são caminhos inóspitos; nenhum me leva de regresso ao já vivido; em nenhum o teu sorriso me acolhe.
Não há como fugir, não há por onde escolher.
Vou...
E as imagens passam como os beijos e as cenas cortadas do "Cinema Paraíso".
Cenas que não anotei em diários, mas que vêm, agora, nítidas, apesar de entrecortadas.
É Primavera. Um fim de tarde quente.
Vejo-te regressar de uma entrevista em Lamego, de fato, gravata, alto bonito.
Entusiasmado pela promessa de aprovação de um projecto cultural para o novo Teatro. Sorris-me, ao entrar. Trazes as lembranças gastronómicas do costume.
Eu estou na cozinha...
Ninguém suspeitou do cateter no peito. Não o revelaste a ninguém.
Confidencias-me que podem não te aceitar, devido à doença que combates.
E eu entendo, embora não compreenda ou aceite que possa haver gente que pense assim.
Não interessa. Estás bonito, alto, elegante. O fato escuro fica-te bem.
Foi um dia feliz.
Agora, apesar das lágrimas, chego a sorrir.
Soubemos, mais tarde, tarde demais, que o projecto fora aprovado.
Choraste lágrimas de emoção e alegria, quando veio a notícia
"Mais uma vitória!!!" - disseste com a voz embargada.
As bilirrubinas já muito altas, a adormecerem-te esses olhos toldados de verde.
E batemos na mão um do outro - "Dá cá mais uma!"


Seria eu, essa que lutava contigo e que partilhava todas as vitórias e todas as derrotas?
Seria eu, esta que agora foge?
Esta que se esconde?
Esta que tarda em acordar de tão dolorosa derrota?

5 comentários:

Teresa disse...

Querida Isabel...

Há meses que a leio em silêncio, como tanta outra gente. Há meses que me vejo lavada em lágrimas sem imaginar a dimensão da sua real dor, imagino-a apenas imensa. Apenas porque vai bem para lá do imenso... não terá fim essa sua dior, creio eu... Leio-o nas suas palavras. ao imenso.

Hoje decidi deixar-lhe um gesto meu aqui.

Fala de Lamego. Do Teatro Ribeiro Conceição, renovado...

Sou de lá. A cidade da minha vida. O teatro da minha infância.

Hoje tive de me dar aqui no seu espaço porque só de imaginar a passagem do seu David pela minha cidade, já me deixa enriquecida. Dedicarei para sempre ao seu querido filho David um dos amores-perfeitos que compõem os canteiros do jardim que enfeita a entrada do Teatro Ribeiro Conceição, em Lamego.

Enviar-lhe-ei por mail uma fotografia com o amor-perfeito mais lindo que lá vi e que registei para que um dia, o meu filho, soubesse que aquela cidade tinha sido minha, da avó, da bisavó...

Abraço forte, Isabel.

Beijo ao seu doce filho... Daqui até ao céu. Há dias escrevi no meu blog que o céu é o limite... Será?
Tem de ser.

Beijo...

Anónimo disse...

O CÉU

O céu é, por enquanto, o limite ...

Mas se o é, o Céu terá limite?

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 3 de Dezembro de 2008

Teresa disse...

Caro Jaime...

não sei se o é... Mas preciso que o seja para poder acreditar que não pode haver mais para lá dele... Mesmo na sua imensidão... Eu quero que seja o limite. Algo tem de parar ali para eu sentir que quem amo dali não me foge mais...

Beijo imenso...

Olga Almeida disse...

Se o céu tivesse limite, tudo seria mais simples, porque a nossa mente não se sentia perdida. Tínhamos a possibilidade de procurar, o que nos faz falta, num espaço definido e com grande probabilidade de encontrar.

Beijinhos
Olga

Teresa disse...

Olá Isabel, Olga e Jaime.

Na verdade, tenho reflectido imenso nas palavras que aqui temos trocado. aliadas ao que eu própria sinto, vivo... cocnluo que, de facto, o limite deste céu é imenso demais para que eu mesma me comece a convencer que algum dia a minha alma lá chegua, para poder deixar de olhar para ele com menos pena de mim... Porque quem eu amo partiu...

Realmente é um limite tão para lá do "toque"...

Beijo imenso a todos.