02 novembro 2008

Nunca mais



A memória é uma coisa espantosa.
Há sempre qualquer coisinha e sempre uma coisinha diferente que me traz o David e o torna mais vivo.
Hoje, aconteceram duas dessas coisinhas que pareceriam inócuas a quem presenciasse, de longe, as cenas mas que para mim foram o reavivar de cenários antigos.
Antigos... Estranho esta palavra...
De manhã, não muito cedo, saí para ir comprar o Público e pão. Fui ao Corte Inglês que fica perto e posso estacionar sem pagar.
Ao aproximar-me, reparei que uma condutora estava com alguma dificuldade em sair de marcha atrás, do largo da igreja de Mafamude.
Vinha a presenciar aquilo, já de longe.
Ninguém deixava entrar a pobre da condutora.
Foi então que ouvi, nitidamente, o David que me diria " Mamã, deixa lá passar a senhora. Eu já estava parada... E ela passou e agradeceu-me de lá de dentro...
E revisitei todas as vezes em que eu tinha que dizer ao David "David, não vamos deixar passar toda a gente que quiser entrar ou sair, pois não?"
Ele sorria e deixava, sempre, passar quem viesse...
Até punha o braço de fora, a mandar o condutor avançar.
E sorria, satisfeito.
E o sorriso dele acompanhou-me, hoje, por um bocadinho.
Mas, logo me provocou aquela dor duma ausência estranha que perdura.

Mais ao fim da tarde, fui à NOKIA trocar de telemóvel.
Inicialmente, escolhi um baratito porque não uso nem metade das "coisas".
A menina já me vinha entregar o telemóvel depois do trabalho todo a transferir. Perguntei se tinha conseguido manter tudo o que estava no antigo.
Disse-me que sim...
Lembrei-me de perguntar se também tinha transferido as fotos que estão no visor.
Que não; que fotos, não.
E não tinha bluetooth, portanto não seria possível transferi-las do computador.
Apercebi-me, então, de que não seria possível.
Tive mesmo de comprar um telemóvelum pouco mais caro e de lhe pedir que voltasse a fazer tudo.
E expliquei-lhe.
No visor, tenho fotografias do David e do Miguel.
Ao Miguel, posso tirar novas fotografias.
...
Ao David, não...
A realidade bate-me à porta, a cada instante.
Sou confrontada com a palavra NUNCA. No seu verdadeiro e duro sentido.

Ao David não posso tirar mais fotos.
Nunca mais...

4 comentários:

Anónimo disse...

Isabel, é verdade. Ao David não pode tirar mais fotos, mas as que tem reveladas na alma,jamais perderão a cor! Não se esqueça disso.
Umbjs, grande,
MM

Anónimo disse...

Caríssima MM,

As nossas perspectivas são complementares!

Também eu partilho Consigo quando escreve que Isabel tem:

"Uma força interior incrível, uma aparência exterior aparentemente calma, um turbilhão de emoções dolorosas."

É por isso que digo que Isabel e pesem embora as vertigens da queda se saberá como desde já o sabe, aguentar!

Para se expôr neste blogue e arrancar de Si mesma os Seus pungentes textos assim, publicamente e isso nós não vemos porque está implícito ao gesto de escrever neste registo, é preciso muita força.

Força e coragem!

Monumental como uma torre gémea de Si mesma!!

É também por isso que ela conta ao contrário do que de Si mesma escreve e nem que mais não seja porque nos inspira, me inspira seguramente (!) e digo-o sem regatear nem falsas modéstias!!!

Eu nunca teria sentido tão intimamente esta Sua dor da perda, da perda de um filho e nunca teria escrito o que a este propósito e neste contexto tenho sido, oportunamente, levado, impelido a escrever ...

Como uma rocha, Isabel é uma torre gémea de Si mesma.

Uma vez mais e com amizade, os meus respeitos

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 3 de Novembro de 2008

Carecaloira disse...

Um beijinho
Marina

Ana Cristina disse...

Amanhã é dia de cravos vermelhos a recordar-te no areal de Moledo.
A avó pediu-me para lhos trazer para casa e assim poder emoldurar e perfumar a tua foto sempre presente na sala.

A foto de um David firme e determinado que olha o mar de Moledo quase a alcançar, se possível, o infinito.

1 beijo cheio de saudades que teimam em tolar os lhos e embargar a voz.
Adoro-te.

Nini