15 outubro 2008

Um sorriso





Tudo parece desabar.
Novamente, o confronto com o desconhecido que não o é mais.
Para onde foste, que não te vejo?

Revejo paredes, revejo corredores, revejo janelas donde vejo o Porto com o rio ao fundo, revejo batas brancas, revejo sorrisos enternecidos, revejo o medo, revejo elevadores por onde subo e desço, revejo medo, revejo cansaço, revejo um telemóvel silencioso, revejo um rapazinho alto apoiado na mãe, revejo uma namorada que traz uma prenda de um ano de namoro, revejo uma cunhadinha que traz gelados feitos de água, revejo exaustão, revejo o silêncio nos olhares, revejo o teu abandono, revejo um marido/pai com os olhos baços, revejo incredulidade, revejo umas mãos esguias pousadas no lençol, revejo um sorriso tímido, revejo um piscar de olhos cúmplices, revejo lágrimas escondidas, revejo CDs por ouvir, revejo o medo, revejo um abraço da noite, revejo o teu relógio guardado na gaveta, revejo caras amigas, revejo um passeio em cadeira de rodas pelo corredor, revejo uns olhos não tristes mas cansados, revejo súplicas para que te deixem em paz, revejo um telefonema de revolta, revejo-me encostada às paredes, revejo uma mãe em que não me revejo, revejo escadas por onde subo e desço, revejo um soro a ser (finalmente) retirado, revejo as nossas mãos dadas, revejo-me quando me dizem que não falta muito, revejo os teus pijamas coloridos, revejo corredores e paredes de hospital, revejo batas e estetoscópios que entram e saem silenciosos, revejo um corpo frágil, revejo o nº24 na parede do teu quarto.

Revejo o teu sorriso.
Sempre o sorriso.
Que foi contigo.
Tento rever o teu sorriso.
Porque não consigo?

4 comentários:

A Professorinha disse...

Custa-me tanto lê-la... leio e vejo o que se passou com a minha mãe... os gelados de água, os olhos cansados, o desespero... custa-me ler mas tenho sempre que aqui vir todos os dias, para ler...

Quem me dera ter palavras de apoio...

Muitos beijos... imensos...

Anónimo disse...

O PIRILAMPO E A COBRA

( Continuação )

Disse, então, o pirilampo à cobra:

Pois então, come-me!

Come-me mas fica sabendo que não mais terás descanso nem encontrarás alimento que te satisfaça:

Ficarás a luzir para sempre e tudo o que se encaixe na linha da tua cadeia alimentar, atempadamente, de ti fugirá ao ver-te assim luzir!

Foi assim que a cobra não sendo capaz de resistir provou do fruto proibido e nunca mais conseguiu insinuar-se subrepticiamente e encontrar alimento à sua altura já que, à sua brilhante e indisfarçável passagem, sempre assinalada pelo pirilampo, o alimento lhe fugiu para sempre e um luzeiro imenso se acendeu no céu como na terra.

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 16 de Outubro de 2008

Anónimo disse...

Isabel;
Continuo a vir aqui todos os dias. Sempre virei.
Mãe e filho estão muitas vezes no meu pensamento...choro consigo nestes dias que antecedem a data da viagem do David.
Permita-me que lhe deixe um beijo.

Anónimo disse...

A fábula e a Esperança

Tal como os pirilampos, os faróis também brilham na noite escura e não são comidos pelos navios assustados! Pelo contrário, orientam-nos.

Foi por tudo isto que a cobra foi expulsa do Paraíso!

mb