20 outubro 2008

Um adeus diferente



Faz um ano em que o teu corpo se foi.
Vejo-me no Cais de Gaia, para onde me levaram, à espera que o tempo passasse, para te ir buscar.
A seguir... irias para o mar de Moledo.
Não tenho noção do que fiz. Sei que bati palmas, quando passaste.
Houve muitas palmas, que já não ouviste.
Houve muitos olhos tristes, que já não viste.
Houve muitos gestos de carinho, que já não sentiste.
O Sérgio dava-me a mão; deu-me sempre a mão.
O Manel amparava-me o ombro.
Sei que eu levava um raminho de flores brancas na mão.
Levei-as comigo, mais tarde, para o mar de Moledo.
Onde regressei, ontem, com os teus cravos vermelhos.

Apesar dos meus olhos embaciados, vi um mar de gente espalhada por ali, por aquele cemitério, onde nunca me imaginei por aquela razão.
Tanta gente que te conhecia de pequenino e gostava de ti.
Tantos amigos meus que passaram a ser teus e a admirar-te, profundamente.
Tanta gente emocionada.
Contigo,
comigo,
com o Sérgio,
com o Manel...
com a Olga
com a Carla
contigo

Tanta lágrima ... tantas palmas ... tanta flor ... tanta dor...
tantas palmas
que não ouviste
não viste
não sentiste.

Fechou-se o círculo.
Tarde demais!!


Hoje é um dia especial.
Por isso, porque lhe dói, porque foi teu companheiro sempre presente, sempre atento, sempre disponível - deixo-te, aqui, as palavras do Manel.
Guardei-as, para hoje, especialmente, para ti.

O David morreu. Não há nada que possa alterar isto; não está em nenhum sítio à nossa espera; não nos observa de nenhum assento etéreo.
Claro que podemos imaginar que ele está, simplesmente, num sítiop qualquer, a fazer as luzes de um espectáculo, e se calhar é assim que vou decidir que é a situação.
E vamos sobressaltar-nos muitas vezes a pensar se não será ele que está a chegar, feliz por mais um triunfo do seu trabalho e da sua arte, como tantas vezes aconteceu, a altas horas da noite.
Mas o David está connosco, porque está nas nossas cabeças, e é aí que ele sobrevive e se mantém. O David educava-nos, era um menino que tinha, (e eu recordo e sei que vou recordar mais, à medida das situações) preceitos que fazem parte do legado , misturados à sorte, grandes e pequenos:
- As luzes directas encandeiam e incomodam. Devemos usar luzes indirectas e evitar o excesso de luz;
- Deve haver sempre música (boa, não uma música qualquer) a tocar. Podemos cantar a acompanhar;
- Não se fala quando se vêem filmes, mesmo na televisão;
- Podemos ser distraídos na vida pessoal, mas temos que ser perfeitos na actividade profissional! Não há desculpa para a falta de rigor;
- Temos que estar atentos às coisas novas: música, filmes, espectáculos e sair de casa para os ver e ouvir;
-Temos que ser exigentes na escolha da música e não estar sempre a ouvir a mesma coisa.
- O mesmo para filmes;
- Fechar a porta da casa de banho, quando lá entramos;
- Não conduzir depressa, e sobretudo não passar por cima dos buracos;
- Nunca desistir;
- Ter sempre projectos novos;
- Acreditar que podemos realizar todos os sonhos, sem medo de ser considerado ingénuo ou imaturo;
- Desejar.
- ....

E também há as frases, que implicam cada uma um contexto que não cabe explicar aqui, mas, mesmo assim tomamos (duas ou três):
- (Como te sientes?) Muy bien! (sempre muy bien)
- Un vaso de hielo, por favor!
- Mostra mas é as mamas:-)
- Manel, já me perguntaste isso três ou quatro vezes. És um chato!!
- ...

O David foi uma estrela fulgurante nas nossas vidas aqui em casa e nas vidas daqueles que tiveram a sorte de contactar com ele.
Alguns não se terão apercebido; outros perceberam tudo ao contrário; outros ainda aproveitaram-se da sua bondade e ingenuidade voluntária para o prejudicarem ou magoarem. Perderam-no completamente, e não foi por ele ter morrido.
Nós ficamos com os reflexos dessa luz que ele produziu.
O David foi uma estrela fulgurante!
MM

3 comentários:

Olga Almeida disse...

Cada dia que passa admiro mais o Manel, tal como David... O David teve muita sorte de ter encontrado um "pai" como este na sua curta vida.
Beijinhos, desta vez para os dois
Olga

CA disse...

Querida Isabel,
Hoje não consegui domar as minhas lágrimas...
Haverá maior amor do que o de Mãe?... Não sei, creio que não...
Acredite nessa estrela que brilha... e que brilha ainda com mais intensidade aos olhos de quem ama o David. Todos nós temos as nossas estrelas a brilharem e a continuarem a dar uma luz especial às nossas vidas.
Viva Isabel, mas viva com a intensidade e da forma que mais conforto lhe dá...
Momentos dificeis, momentos de palmas, momentos de lágrimas... momentos de um Amor indiscritivel...
Receba todo o meu carinho, respeito e admiração.
Estou e estarei sempre por perto.
Um beijinho grande
CA

Anónimo disse...

Isabel, ao lê-la só me lembrei da música de Luis Represas...."só Deus tem os que mais ama", mas não pude deixar de sorrir....pela coincidência de o Manel, assinar MM. Eu, a MM (para si) encontrei o seu blog por um acaso. E fiquei presa...talvez pelo meu coração chorar também, não por um filho ( o que não sei, nem espero vir a saber), mas por uma grande AMIGA, a Cláudia. Coincidências? Talvez, mas pelo tudo o que tenho lido do David, ele era um pessoa única, especial, como há poucas. E aí...certamente já fez amizade com a Cláudia, porque almas destas...são raras.
Um beijinho e uma flor...branca,por favor.
MM