29 outubro 2008

Eu vou indo.



Eu sei que o David faria assim, continuaria.
Ligado às luzes, ao palco, às artes de palco, à música.
Às recordações.
Mas continuaria.
Sei como ele gostaria de me empurrar.
Sei que ele saberia que continua aqui, perto de mim.
Mas, a cada dia, o peso me parece maior.
A mão cada vez mais distante.
O sorriso cada vez mais vago.
E ele não está, de facto, perto de mim.
Estendo a mão e retiro-a...
Vazia da outra mão, mão esguia e meiga.
E a saudade aumenta.
Os filhos não devem ausentar-se, assim, para tão longe das mães.
E eu vou indo...contra a corrente da ausência.
Empurrada!
Mas vou indo, dia a dia.
Devagarinho.
Eu sei que vou indo.



O ANTES E O DEPOIS


O antes foi o que aconteceu.

O depois é o que vai acontecendo.

O que aconteceu, às vezes, tem tanta força, pesa tanto sobre nós, que vivemos dele cativos dando um passo em frente e recuando logo, por todos os motivos e também por fidelidade, com medo ou receio de, ao aventurarmo-nos no futuro ou no depois, estarmos a trair o antes ou o que passou.

Não escondo que e por paradoxal que possa parecer, não raro se vive agarrado ao antes ou ao que passou e por mais terrível que possa ter sido, por comodismo porque, ainda que revestido de enorme sofrimento, o antes, no previsível que se tornou, conforta-nos por terrenos conhecidos ou que os julgamos assim e nessa postura, encontramos o conforto bastante que nos leva a arrepiar caminho.

Ou a julgarmos que arrepiamos quando não, quando as águas não páram de correr e apenas oferecemos resistência a coberto da nossa modorra, de uma apatia indolente que nos retem assim, no antes que o não é mais nem pode ser.

Nem para Ti, nem para ninguém!

Por ilusória fidelidade julgamo-nos fiéis ao antes, à memória, ao passado que, porque as águas, afinal, não páram de correr, tempestuosas e revoltas, indomáveis, se quer antes presente num futuro sempre presente e ainda que ausente e nos incentiva, como o faria o David (!), para a frente, ao depois, abertos e receptivos ao dia de amanhã.

Ainda que tocados, indeléveis, pela melancolia o tempo não pára, não se retém no que foi que porque é virá a ser.

E que em permanência o é convidativo, apelativo num funcionário, aluno ou colega professor, em Ti ou em mim.

O antes é o depois do que vem e Te desafia!

Dá-Lhe, por isso, a mão e continua ...



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Outubro de 2008

4 comentários:

Anónimo disse...

Frequentemente deve-se interrogar como é que ainda consegue "ir indo", não é?
Um bjs..
MM

Anónimo disse...

Estou na "casa do Choupelo" a enviar este comentário - é o 1º. destas paredes a cheirar a novas.

Entre caixotes, móveis e roupa por arrumar....a energia vem e vai!
Mas a luz entra pelas janelas e a tua fotografia David já está no móvel da entrada, assim como a minha e da Diana.

No meu quarto está uma do Sérgio com o Miguel ao colo-olhos de pai feliz ;)
O teu sobrinho está cada vez mais bonito e patusco.

A vista das varandas,aqui no Choupelo,não enxerga o mar de Cascais nem os campos verdes de Moledo, mas como dizia o poeta "sou do tamaho do que vejo e não do tamanho a minha altura -F.Pessoa".

Sei que com os olhos fechados ou mesmo abertos conseguirei voar até ao Guincho, até ao areal junto à tua rochinha ou até ás "pás" (foi o Manel que me ensinou o nome) das eólicas que encimam o monte defronte à casa de Moledo.

Vamos indo, devagar, mas vamos indo.
Sempre que puderes dá-nos uma força!

Saudades imensas de ti.
1 beijo da Nini

Anónimo disse...

Arrepio

Estendo a minha mão vazia
Na ausência expectante
Da tua mão esguia

Na melancolia do tempo
Que não pára
Sinto-a distante

Mas meiga
Terna
Cantante

Manuela Baptista

Anónimo disse...

Para a anónima do Choupelo,

Que a nova casa seja uma boa Casa,

Onde soprem ventos bonançosos,

Onde sejam benvindos o Sol e os amigos

E todos os que ama e que tal como o sol lhe aquecem o coração

Darei saudades suas ao Guincho

Manuela Baptista