26 agosto 2008

Uma mão aberta, outra fechada



Convencemo-nos de que a vida será melhor depois...

...depois de acabarmos os estudos, depois de arranjarmos trabalho, depois de casarmos, depois de termos um filho, depois de termos outro filho.
Então, sentimo-nos frustrados porque os nossos filhos ainda não são suficientemente crescidos e julgamos que seremos mais felizes quando crescerem e deixarem de ser crianças. Desesperamos, então, porque são adolescentes, instáveis, agressivos, tristes e fugidios.
Pensamos: «Seremos mais felizes quando esta fase acabar!»
E não desistimos de achar que tudo é imperfeito e decidimos que a nossa vida será, realmente, perfeita, quando estivermos profissionalmente estabilizados, quando tivermos um carro melhor, quando pudermos ir de férias sossegados, quando tivermos uma casinha no monte, quando nos reformarmos e pudermos passear, com os netos pela mão.
Mas a vida está cheia de reptos imprevistos, de rasteiras inesperadas.
Foge do nosso controlo, sempre.
Não há um “ser feliz depois”, nem uma via-verde para ...
A felicidade paga portagens: uma encosta que se sobe, a colina que se desce! E outra e mais outra...
Um dia, inesperadamente e por razões nunca imaginadas, descobrimos que mesmo as encostas mais íngremes, as que deixam os pés em sangue, nos podem trazer pedacinhos de felicidade.
E eu, lentamente, entre lágrimas que não se esgotam, sou forçada a procurar, entre os destroços da vida, os momentos bons que tive. E, apesar de tudo, aproveitei; já que os recordo com doçura e tão nitidamente!
Vou juntando esses pedacinhos ... mesmo os que tinha amarrotado, com raiva, e molhado, com outras lágrimas, e que, agora, aliso - para ver em que parte da minha existência encaixam.
Tudo aponta para que, no fim, o puzzle reconstituído me diga – “fui feliz”.
Exististe de forma tão intensa, para mim!
Como poderia eu não ter sido feliz?

Do nosso trajecto guardei tudo o que pude e mantenho, numa mão fechada.
Revivo os nossos dias, dia a dia, a cada dia que passa; como se percorresse o mesmo trajecto, agora, em sentido inverso. Procuro outros sinais perdidos no caminho: um olhar aqui, um sorriso ou um gesto meigo ali,...
E reconstruo a felicidade possível.

A outra mão continua aberta; vou guardar o que puder e conseguir.
A felicidade é um trajecto, nunca será um destino.

4 comentários:

Carecaloira disse...

A verdade nua e crua.
às vezes não queremos é acreditar nela.
Como seriamos mais felizes se vivessemos um dia de cada vez.

Um beijinho
Marina

Anónimo disse...

( A propósito do último post, de hoje, da Casa da Venância enviado a Nini e a minha mulher )

FELICIDADE

Trajecto desemboca em destino
Trajecto sem o qual não tenho tino
Percurso em movimento é um trilho
Rastro de uma estrela em que brilho

É como a procura de meu filho
Longa caminhada de andarilho
É uma mão cheia de oiro fino
Que dela se derrama desde o pino

O zénite de um sol que é cristalino
Audaz desde a aurora como um sino
Do pico à escura noite do atilho

Que em nó não desampara como o milho
O pão que alimenta o que não pilho
E traz Felicidade a que me inclino

Jaime Latino Ferreira

Estoril, 26 de Agosto de 2008

E cantam os poetas...

Enviado pela mulher em causa e dedicado à Isabel.

Manuela Baptista

paula disse...

é isso mesmo...
K palavras tão sábias...
beijinhos de luz
Paula Padinha

Branca disse...

Lindo e emocionante este seu texto. É assim a vida. Como diz a Marina um dia de cada vez, aprendemos isso nesse percurso que descreve.
Quando somos muito novos pensamos que determinamos todo o nosso percurso, depois aprendemos que a vida nos traz algumas surpresas e então temos que aprender a encontrar o equilibrio que nos possa dar um saldo positivo nesse trajecto de luta pela felicidade.
Deixo-lhe beijinhos.
Branca