10 agosto 2008

E, no entanto,...


ODETE LOUREIRO

Percebo a duplicidade que existe em cada um.
E não é necessário fingir...
Basta recuar e avançar no tempo.

10.Agosto.07
Foi o início da queda, do desconforto da saudade, do não saber o que fazer, de correr sem pensar, de sentir ... sem tempo para refelectir.
Acordámos, em Barcelona, às cinco da manhã. Às 7h tínhamos que estar no Hospital Bellvitge, distante do centro. Foi preciso chamar um táxi para as 5h da manhã, na véspera, para termos a certeza de chegar a horas.
O PET, sabíamos que não era doloroso. Um relaxamento muscular e sensação de sono... Íamos descontraídos.
O que nos causava alguma ansiedade era a biópsia ao fígado, mais tarde, por volta das 13h, no hospital onde decorreriam os tratamentos e que já conhecíamos.
E foi assustador...traumatizante. Muito doloroso.
O David não estava, psicologicamente, preparado para aquelas dores!
E raramente se queixava! O meu rapazinho dizia sempre que estava bem.
Saiu do bloco triste, derrotado, de lágrimas nos olhos que imploravam ajuda, revoltado porque lhe tinham mentido; porque lhe tinham dito que não custava.
As dores nunca mais o abandonaram e a essas dores juntou-se o medo da nova biópsia que sabíamos que teria que fazer, passados 15 dias.
Que desespero! Que impotência a nossa, minha e do Manel, por nada podermos fazer.
Ainda, agora, neste momento, os sinto.
Que frágil somos perante as dores de um filho!
Ficam-nos marcadas na carne, na memória e nada apaga essas imagens de mãos vazias e agrilhoadas.
E ... não mais vontade de ver espectáculos.
E... não mais vontade de comprar guitarra.
E...não mais vontade de sair.
E...não mais vontade!
Apenas dormir, esquecer as dores, não pensar nas que, ainda, viriam.
Perderam-se no tempo, os gestos familiares
Ficaram como que adormecidos. Nada os recolhe. Nada os recupera.
.....................

Agora, há certos momentos nocturnos do dia, em que o meu falar está vazio de sentido, embora me ouçam e eu fale e me continuem a ouvir e eu responda…
Estamos todos juntos, próximos, frente a frente, e, no entanto incomunicáveis, como a imagem e o seu reflexo num espelho, onde a vida corre, mas a imagem reflectida se mantém fixa.
...........................

E, no entanto, tudo se concilia.
Porque há um choro de bebé que sossega no meu ombro, um olhar meigo e diferente duma jovem mãe e um pai/filho mais terno, tolerante e protector (também da sua mãe).
Confuso? Não.
Tudo bem nítido.
Nada apaga a dor nem a saudade do "menino da sua mãe".
Sei que sabia que o protegia. Sei que sabe que estou onde ele está e ele está onde estou, como uma segunda pele colada ao corpo (meu ou dele...não sei!).
E nada perturba o prazer de sentir um bebé que se entrega confiante e adormece.

...............................



E ao anoitecer

e ao anoitecer
adquires nome de ilha
ou de vulcão

deixas viver sobre a pele
uma criança de lume

e na fria lava da noite
ensinas ao corpo

a paciência o amor o abandono das palavras o silêncio
e a difícil arte
da melancolia


Al Berto

7 comentários:

Olga Almeida disse...

Estive de férias, mas sempre acompanhada pelo David.
Lembro-me dele todos os dias em todos os momentos. Penso sempre que poderia estar a partilhar estes momentos com ele.
Lembro-me na saudade que senti no ano passado, quando foi para Barcelona, até chegar ao dia em que o ia reencontrar.
E agora, a saudade, sem possíveis reencontros.

Soube da nascença do Miguel no Gerês. Estava eu a olhar para uma cascata na Portela do Homem, quando recebo a mensagem. Chorei de alegria e de saudade, saudade de ver o David sorrir. Ele ficaria radiante...

Beijinhos
Olga

paula machado disse...

olá Isabel

li o seu comentário com lágrimas nos olhos, a Isabel é uma Mãe que sofre com o passado ainda presente

é bom deitar cá para fora quilo que não conseguimos dizer a ningém, no papel(blog) talvez se torne mais fácil

eu também sou uma mãe que sofre pelo filho mas por outras razões, gostava que visita-se o meu cantinho
wwwsndromedeasperger.blogspot.com

força muita força e vá deitando para fora aquilo que faz sofrer

agora também tem o Miguel, e tem que ter muita força e coragem, sorria para o Miguel que o David também sorri

beijinhos para toda a família do tamanho do Mundo

Branca disse...

Olá Isabel,

Já tinha passado por aqui ontem, li em silêncio e saí em silêncio...
Vejo os sentimentos entrecruzados que traz na alma e no entanto tudo se concilia como diz...mais uma vez lembro-me de minha avó, não conheci ninguém com maior capacidade de amar, acho mesmo que ninguém me amou tanto quanto ela, nem a mim nem aos meus primos, nem aos meus filhos que ainda conheceu, toda ela era amor e no entanto vi-a toda a vida amar o filho mais velho que tinha partido aos 21 anos e tudo se conciliou e tudo fez parte da nossa história e por isso mesmo recebemos dela as mais belas lições de amor e com ela fomos aprendizes dessa linguagem da alma, desse sentir...
Aprendi maravilhada muitas das históras do meu tio que não conheci, aprendi sobretudo o amor daquela mulher que se tornou gigante e se estendeu a todo o lado, o mesmo amor que vi hoje em si quando a li no blog da Paula Simões.
Obrigada Isabel por tão grande lição.
Deixo-lhe beijinhos
Branca

paula machado disse...

olá Isabel

obrigada pelas palavras amigas
adorei vê-la sair de casa, para me visitar
a Isabel é uma Mulher forte e com muita coragem
quando me quiser visitar é só empurrar a porta, porque ela nunca se fecha para os amigos

obrigada mais uma vez

beijinhos do tamanho do mundo

Albertina disse...

Querida Isabel

Já lho disse aqui e repito-o agora: leio-a todos os dias mas custa-me muito escrever-lhe... Porque imagino que não existam palavras de conforto para a sua dor, porque imagino como eu estaria no seu lugar, porque tenho medo de invadir a vossa privacidade (sua e do David)...
Mas hoje sinto que tenho algo para lhe dizer: o seu comentário no blog da Paula foi muito importante! É a Isabel (que imagino mulher de grande força) a cumprir os seus designios: ajudar quem precisa! Talvez esteja aí o caminho a seguir.. talvez seja esse o desejo do David enviado para o seu coração naquela corrente que só existe entre mães e filhos...
Ele já a viu sorrir com o nascimento do seu neto, hoje viu-a sair da "sua casa" para visitar alguém que necessita...
Penso que o David está feliz e quase em paz por poder partir deixando-a mais serena.

Beijinhos e FORÇA

Albertina

paula machado disse...

olá Isabel

espero que se econtre bem
que esteja tudo a correr bem com o netinho, e com a Isabel

sabe gostava de a convidar para ir ao meu cantinho para conhecer o meu filhote

um bom dia e que DEUS vos acompanhe

beijinhos para todos do tamanho do Mundo

Elisabete disse...

Olá Isabel!

Como de costume, estou emocionada com as suas palavras!
A Isabel é dona de uma sensibilidade enorme e tem, sem dúvida, o dom da "palavra".
Adoro lê-la.

Fico feliz, por a ler noutros cantinhos, como por exemplo a casa da amiga Paula.
Que força lhe transmite!!!
A sua postura perante os outros, só demonstra que, a sua generosidade é infinita.
Obrigada por a ter conhecido.

Que Deus lhe dê em dobro, o que a Isabel dá aos outros.

Beijinhos

Elisabete