26 agosto 2008



À delicada Filomena, queria dizer que, pelo menos até agora, publiquei todos os comentários que aqui são feitos.
Todos trazem a boa vontade de todos os que escrevem.
Todos trazem uma dose grande de solidariedade.
Respeito todos os que me escrevem, no blog ou directamente.

Se todos vemos tudo da mesma maneira? Não, não vemos.
E ainda bem.
Já todos perceberam que não acredito em vida depois da morte, que não acredito em Deus.
Deus tirou-me um filho?
Não, não tirou.
Seria demasiada maldade...
É apenas a vida.Tantas vezes, madrasta.

Tal como o David, acredito nos homens, na bondade e naquilo que cada um pode dar de si aos outros.
Pode ser a Fé que têm.
Sempre a aceitámos, eu e ele.
Por isso, Filomena, por que razão não publicaria o seu comentário. É a sua parte de sofrimento pela minha dor.

Quanto a deixar o David partir… deixei…deixei, sem pedir mais um bocadinho.
Fingi serenidade, quando confirmaram que eu sairia, desta vez sozinha, daquele quarto de hospital. O David ficaria ... mas eu fingia.
Deixei, sem um queixume visível, que lhe tirassem o soro, quando me explicaram que isso só lhe causaria desconforto.
Ouvi, sem um lamento visível, dizerem-me que o David iria entrar em coma.
Acatei, sem uma lágrima visível, quando me disseram, pela manhã do dia 18 de Outubro, que o David iria morrer naquele dia; que não faltava muito.
Continuei (tentei) a fazer o que sempre fizera, sem ansiedade visível - falar-lhe de música, de projectos, do regresso a casa; acariciar-lhe a mão; dar um beijo na testa.
Mesmo quando já estava em coma.

Todos (muito poucos) os que entraram naquele quarto de hospital, antes do David morrer e mesmo já em coma, foram proibidos de deitar uma lágrima, de pronunciar uma palavra menos alegre, de usar um tom de voz menos confiante.
Foi isso que impus aos outros e me impus, a mim própria.

Se custou?
Ainda, agora, não sei como fui capaz...
Mas um filho leva-nos ao limite das forças.
Queria deixá-lo ir, sereno, livre de continuar a sonhar com palcos e luzes e risos e música…com a mãe, sempre, a apoiá-lo.

Nunca, em dezoito meses de doença, o meu filho viu uma lágrima minha ou um ar desesperado.
Ele sabia o quanto eu sofreria.
Mas nunca desistimos e acreditávamos que tudo iria melhorar.
Dizia que eu era a mãe coragem, a rocha firme ao lado dele.
(Ele é que era a rocha, a coragem!)
Foi assim, até eu poder chorar.
Mas só depois de ele ter partido.
Acredite, Filomena, que o libertei.
E ele sabia que seria, assim, se tivesse que ser...
Tivemos conversas estranhas, penosas para mim. Em que só eu ouvia.

Às vezes, penso que se, por um misterioso acaso, ele andasse por aí, empoleirado numa nuvem e me visse, me sorriria, certamente.
Sei que teria orgulho em mim… porque saberia que eu estou a fazer o melhor que posso e sei.
Ainda me revejo, em tudo o que faço, nos olhos do meu filho, no seu ar de crítica ou de elogio.
E sinto que não o estou a defraudar.
Vou devagarinho.

Acredite, Filomena!
E obrigada.

Um abraço
Isabel

8 comentários:

Anónimo disse...

Junto as minhas lágrimas às suas...
São de embalo. É tudo o que sinto que posso fazer por si...

Qual é o site do David que a comentadora Filomena referiu que havia visitado?

Deixo um abraço e silêncio...

Chore-se, Isabel. Chore-se quanto puder.

(...)

paula machado disse...

olá Isabel

Grande Mãe que é claro que o David aonde quer que ele esteja sentirá orgulho da Mãe que tem

uma boa semana

beijinhos do tamanho do Mundo

Branca disse...

Tenho vindo por cá todos os dias, embora não tenha comentado os últimos posts. Tenho chegado muito tarde, a cair como agora, mas sempre a apetecer-me tanto dizer umas palavras...
Este texto é extraordináriamente belo Isabel. Quem é mãe ou sabe sê-lo percebe como as mães são capazes da coisas mais incríveis.
Subscrevo muito do que diz e apesar de tentar sublimar aqui a sua saudade sinto e sei qu é uma mulher forte e lúcida.
Bem haja.
Um beijinho.
Branca

Anónimo disse...

Isabel...já a venho vindo a ler. A sua dor..a sua coragem...o seu amor..as suas divisões. Cada vez que a leio, mais a admiro e só lamento não poder apaziguar-lhe a dor que sente. Compreendi o que a Filomena quis dizer... em 2007 morreu a minha mãe subitamente. Estava a conversar e morreu. Chorei. Muito, mas a enorme paz que eu tinha por estar em paz com ela, depressa apazigou a minha dor. Não a tinha mais comigo, e acredite que não há um único dia, em que não me lembre dela e não sinta a sua falta. Mas como estava em paz com ela...deixei a partir. Poucos meses mais tarde...partiu a Cláudia (já lhe falei..do blog superglamorosas...agora um pouco desvirtuado...até). Fiz o mesmo que a Isabel fez. Até ao último dia em que a vi (precisamente 2 dias antes da sua morte), transmiti-lhe sempre esperança! Nunca também ela me viu chorar, nunca lhe levantei dúvidas, ajudei-a a acreditar na vida. Sei que era isso que ela queria. E apesar de já ter passado um ano (meu Deus...como o tempo voa),a Cláudia está todos os dias comigo. E o que relembro dela e os meus filhos (que a adoravam) também, é a sua enorme alegria de vida, a sua piada.Muitas vezes penso nel e sai-me um sorriso espontaneo... Deixei-a também ir em paz, porque estava em paz com ela. A Isabel também está e esteve em paz com o David. Não se culpabilize por não o ter salvo. às vezes não podemos ser super-mulheres. A Isabel estava em paz com o David e era isso que o David precisou até ao seu último minuto aqui consigo. Sim, porque eu acredito que ele está lá em cima a olhar por si e pelos seus. Se calhar...ao pé da minha mãe e da Cláudia. Quem sabe?
Um grande beijinho..de alguém que aqui passou e ficou.
MM

Anónimo disse...

Querida Isabel;
Estas coisas dos blogues são assim.
Damos connosco a pensar nas pessoas que nunca vimos, que conhecemos através da net.
Mais uma vez lhe peço que não me leve a mal, que não me interprete mal, que não julgue que não respeito a sua dor.
Respeito muito, muito... apenas lhe contei a minha experiência... que em nada se pode comparar à sua.
Sabe Isabel, a minha filha está em Israel (em princípio, vai lá ficar para sempre)mas na próxima terça feira chega para passar um mês.
Ai Isabel quando a abraçar quando a beijar vou estar a pensar em si, que já não pode fazer o mesmo ao seu David, porque dor dos outros ensina-nos muito. Choro muitas vezes pela minha filha, apesar de falar com ela todos os dias, de lhe ver o rosto e aquele lindo sorriso.
Choro em segredo, ninguém sabe, ninguém, digo-lho hoje a si.
E não tenho razões para chorar percebo agora, depois de a ter"conhecido".
Vou pensar sempre em si e no David.
Tem razão, quanto ao site é alegre, cheio de projectos...Ai, Isabel...
O seu post de ontem tocou-me muito especialmente... ai os momentos felizes! se os pudéssemos eternizar...
Vou passar sempre por aqui, mas não a aborrecerei com os meus comentários...
Creia,eu só não sabia como dizer algo, apenas gostava de lhe pegar na mão.
Aceite um beijo.
Filomena

Anónimo disse...

Banheira com árvore

A árvore está presa dentro da banheira.
Cresceu (?) plantaram-na ali desajeitadamente ou com um propósito que nos escapa?

Na floresta de árvores, uma banheira solitária pintada de floresta, abriga, contém, dá colo a uma árvore.

O estranho seria uma floresta de banheiras acolher uma árvore.

Todas as coisas têm um propósito ou lá vamos sòzinhos inventando razões que não existem?

O ruído de Deus

Para muitos, Deus é um projecto do homem.

Para muitos outros, o homem é um projecto de Deus.

Tenho a sorte de estar entre os segundos e não sei explicar à Isabel porque é que sendo Ele Senhor de todos os infinitos, não foi infinitamente Bom,compassivo e justo permitindo ao David uma vida boa e longa.

Quando as pessoas se sentem protegidas, se curam ou escapam a acidentes e doenças dizemos:Graças a Deus! Pode ser uma Graça de Deus.

E quando nos sentimos abandonados, em perigo e doentes é uma Não Graça de Deus? É a vida?

A Isabel tem perante Deus, em quem diz não acreditar,
uma grande dignidade, não lhe podendo reconhecer maldade.

O silêncio de Deus

Mesmo num ambiente estranho, a árvore cresceu dentro da banheira.

Manuela Baptista

Estoril,27 de Agosto 2008

Branca disse...

Voltei,

Hoje para dizer que penso que este é um espaço onde se faz um luto e ouço todos os especialistas de psicologia e outros dizerem que há um tempo para se fazer o luto, que é essencial que ele se faça, este reviver, este chorar, esta saudade mais pungente.
Acho que a Isabel está a fazer muito bem o seu luto.
Esta é a Casa de Venância, mas poderia ser a Casa do David, é aqui que deposita toda a vida dele e os seus talentos. Eles serão sempre talentos para outras gerações que passem por aqui ou pelo seu site, que é maravilhoso.
O seu luto será feito através desta catarse e poderá levar um ano,poderá levar mais, mas a tendência de todos os seres que perdem alguém é sempre a de reviver o ano anterior, é legítimo, é normal...porque em cada data se pensa sempre que no ano anterior ainda existia este ou aquele momento.
Estaremos por aqui no ano seguinte a continuar a acompanhar a sua saudade de uma outra forma e eu sei que a Isabel sabe e tem essa lucidez de que a saudade existindo sempre,terá variadas formas.
Que sabemos nós?
É tao difícil perder um filho, por isso existe a Associação Âncora, de ajuda aos pais em luto e a ajuda acaba por ser feita pela experiência conjunta de todos, mas a Isabel tem a maior ajuda neste momento, a maior que a vida lhe pode ter oferecido, o seu neto, que embora coexistindo dentro de si a par do David é a amior força que pode ter para que as suas noites sejam também povoadas de um sorriso de criança, que é o melhor do mundo.
Beijinhos.
Branca

Anónimo disse...

Também acredito em Deus,no Além, na Eternidade da Alma e na Reencarnação dos Seres.Creio sentir que o David já retomou a sua existência corpórea.Mas que importa o que eu sinta,certo ou erradamente ? A Isabel vê a Morte como o Fim Absoluto e eu não vejo como possa o Deus da Bondade permitir que o Absoluto se imponha pela Morte e não pela Vida Eterna...António