04 julho 2008

Não pensar...

Choro, porque choro!
Não vale a pena escamotear razões.
Não vale a pena que me perguntem porquê.
Que responder?
Porque sim, apenas...
Por isso estou aqui, neste cantinho, onde me instalo, à sombra das saudades.
Dá-me força, suponho.
O resto é intangível e misterioso, fora do alcance do entendimento.

Se pudesse, punha aqui a música (uma das tuas escolhas) que estou a ouvir - "Ingênuo" de Nilze Carvalho, em Chorinhos de Ouro.
Deves trazê-las contigo, onde quer que andes.
Afinal, a música era a tua paixão...



Fica a música de um poema.


As velas da memória

Há nos silvos que as manhãs me trazem
chaminés que se desmoronam:
são a infância e a praia os sonhos de partida

Abrir esse portão junto ao vento que a vida
aquém ou além desta me abre?
Em que outro mundo ouvi o rouxinol
tão leve que o voo lhe aumentava as asas?
Onde adiava ele a morte contra os dias,
essa primeira morte?
Vinham núpcias sem conto na inconcebível voz
Que plenitude aquela: cantar
como quem não tivesse nenhum pensamento.

Quem me deixou de novo aqui sentado à sombra
deste mês de junho? Como te chamas tu,
que me enfunas as velas da memória ventilando: «aquela vez...»?

Quando aonde foi em que país?
Que vento faz quebrar nas costas destes dias
as ondas de uma antiga música que ouvida
obriga a recuar a noite prometida
em círculos quebrados para além das dunas
fazendo regressar rebanhos de alegrias
abrindo em plena tarde um espaço ao amor?
Que morte vem matar a lábil curva da dor?
Que dor me faz doer de não ter mais que morrer?

E ouve-se o silêncio descer pelas vertentes da tarde
chegar à boca da noite e responder.


Ruy Belo

6 comentários:

Andre Moa disse...

Cara Isabel,
acabo de descobrir esta sua casa triste, saudosa, muito humana. Casa e não casulo. Casa e não túmulo. Casa onde possa chorar à vontade, de acordo com o coração pungente de uma mãe ferida, tremendamente ferida por uma trágica circunstância da vida. Como eu a compreendo! Como eu choro consigo!Com a morte do seu filho, do David, perdeu muito de si, perdemos nós todos muito, porque ele era uma potência, uma força benéfica à humanidade. Já era um grande poeta (o que aqui nos deixa antever já o demonstra bem)e, porventura, viria a ser um grande músico. Perdas irreparáveis. Mas a vida tem destas coisas. Por vezes mata sem dó nem piedade.Também me arrebatou um filho na flor da idade. Ainda hoje o choro. Já lá vão vinte e oito anos, mas ainda hoje o choro. Agora mesmo, aqui, consigo.
Um beijo triste mas muito solidário.

André Moa

Anónimo disse...

A MÚSICA

Não se vê
Nem se apalpa
Nem se agarra

Mas onde toca
Tudo redimensiona
Viaja-se no tempo
Sem passado nem futuro

Translúcida
Tem o condão
De se imergir em nós
Imersos mais que na água
Intemporais
Mortais

Fracção de eternidade

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 4 de Julho de 2008

Anónimo disse...

Querida Isabel,
Agora já sei o seu nome e posso tratá-la de forma mais pessoal que o fiz ontem.
Ontem até o fiz como anónima mesmo assinando no fim, porque só interessa que sou a Branca que está aqui de coração que tem um amor infindável pelos filhos e que quer estar perto da sua dor. Não importa se tenho blog ou não, quem sou ou por onde ando,não quero ter a alcunha de boazinha, os bonzinhos demais nem sempre são verdadeiros, gostam de ser reconhecidos. Aflige-me quando me metem nesse grupo, não quero perder a noção de que sou apenas aquilo que tenho a obrigação de ser. Ontem estava muito cansada, exausta mesmo e arrastei-me até aqui para lhe dizer que o autocarro dos sonhos do David era uma mensagem de sonho para si...sonhe e viva Isabel, vai ver que é a melhor prenda que pode dar ao David, eu tenho a certeza.
Mil beijinhos.
Branca

Anónimo disse...

SOBRE O AUTOCARRO DE SONHOS

Sem querer fazer concorrência porque não há concorrência possível, gostaria de sublinhar que o sítio da Casa da Venância, sendo um sítio triste porque nele se estampa a dor de uma mãe que perdeu seu filho é, contudo, um sítio muito bonito!

Bonito pelos textos próprios e emprestados, pelo grafismo, ilustrações e contributos anexos e sobretudo pela implícita vontade de uma mãe em resolver a dor da perda que a assolou e continua a assolar.

David é esse filho que embora muito novo já escrevia muito bem ...

Já sonhava muito bem e enfrentava os insuperáveis desafios que tinha pela frente com grande estoicidade.

Descobri este sítio`há pouco tempo, pouco depois de Vos ter descoberto a Vós e nele como Convosco, abracei o desafio de acalentar uma mãe sofrida, esmagada pela perda de Seu filho.

Este é um sítio diferente do Vosso, nomeadamente porque, no Seu pleno direito, essa mãe Isabel, sujeita ao seu próprio critério e crivo a edição das mensagens que Lhe enviem.

Eu não a conheço, apenas sim Sua irmã mas estou-Lhe porém muito reconhecido!

É que Isabel tem editado tudo o que Lhe tenho escrito e nada ficou por editar.

Isabel é uma grande mulher e Sua irmã também, já que esta última e em momento de aflição que atingiu minha mãe e que foi, felizmente, ultrapassado com sucesso, nos disponibilizou os melhores médicos e nos abriu as suas portas!

A Casa da Venância vale a pena visitar porque somado ao que já disse e pela estética que a preenche, nela testemunhamos a dor irreparável de uma mãe, essa sim (!), que inconformada não deserta e se obstina em apanhar do filho tudo o que sobrou, reconstituindo-lhe a memória sem a qual sabe não poder seguir em frente.

O Autocarro Número Nove, dos sonhos como escreve Seu filho David é o próprio sonho, a vida também que sem ele nada tem!

Assim também, por esta via que a alguns poderá parecer obsessiva, David permanece vivo nas memórias reconstituídas de Sua mãe e que a todos nos disponibiliza e essas memórias são já elas também sonho que a faz, à vida, continuar.

Visitem-na à Casa da Venância que é uma Casa bonita, melancólica e triste, mas bonita e que nos faz, entre outras coisas ver que pior do que estar doente é ter perdido um filho, um ente querido!

Será ...!?

Visitem-na de mansinho, pé ante pé ...

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 4 de Julho de 2008

4 de Julho de 2008 9:12

in
catedral.blogspot.com

Anónimo disse...

Minha Querida Branca,

A Isabel sonha ...!

Escreve Ela neste Seu post:

" Por isso ( ... ) me instalo, à sombra das saudades. ( ... ) "

Já viu!?

E acrescenta que está aqui, neste cantinho!

Está aqui à sombra das saudades que são cantinho ...

E escreve e escreve e escreve bem!

Com bonitas imagens como estas que elas também já são o sonho mais do que o pesadelo.

Porque sim e que Lhe dá força, sublinha ainda ...

E admitindo o intangível e o mistério que diz fora do entendimento!!!

Como se uma situação como aquela que atravessa se podesse explicar para lá de uma provação que nos desafia a superarmo-nos ...!

Perguntar o quê, sublinha ainda a Isabel se difícil é como responder ou impossível para lá do insondável misterioso!!!

Como responder sem nos pormos e sem razões em causa!?

A Si, Branca ou a mim também!???

Mas a Isabel punha música se podesse, música das escolhas do Seu filho como aquela que ouve, ingenuidades em chourinhos de oiro ...

Afinal, música também da Isabel, a música é a Sua paixão e que me desculpe uma vez mais de Lhe tirar as palavras da boca, Isabel!

Ela busca, ai se não busca (!), mas o que é certo é que não há receitas e cada qual tem de as encontrar no caminho que trilha como a Isabel o trilha neste palmilhar belicoso com os Seus fantasmas e demónios e na reconciliação, porque deverá ser disso que se trata (!?), com o Seu amado filho que a quer pacificada e disponível para continuar, para ele próprio encontrar descanso também (!), não por caminhos que se bifurcam e não se voltam a encontrar mas que para sempre se reencontram, se cruzam ...!

Branca, Minha Querida Amiga,

Ainda bem que por cá passou e continue a fazê-lo porque é assim mesmo que se reencontram, neste dialogar indirecto com a Voz central do drama, os nós que se voltem a reatar e que me desculpe, uma vez e outra mais a Isabel.

Volte e traga mais vozes reconciliadoras com o passado e logo com o futuro também!

Um beijo Amigo,

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Julho de 2008

Anónimo disse...

Mana

As tuas casas sempre foram especiais,acolhedoras,únicas.
Esta não podia ser de outra maneira.
Impossível não entrar no autocarro dos sonhos com o David.
Porquê?
Porque sim...

Beijinhos.
Nini