18 julho 2008

Hoje sofre-se.


Hoje, não há metáforas.
Apenas a realidade crua e incolor da ausência.
Apenas o saber que tudo ficou inacabado.
Apenas um enorme espaço cheio de imenso vazio.
Apenas dor.
Apenas raiva.
Apenas fotos.
Apenas música.
E mais raiva pela enorme impotência dos meus braços que apertam fantasmas.
E lágrimas...lágrimas
E o cheiro ainda doce dum quarto recentemente vazio.
Apenas desânimo que fervilha.
Quartos fechados à chave.
Um clarinete.
Livros de banda desenhada que já não provocam gargalhadas.
Apenas diários, folhas dispersas, bilhetes de teatro, letras de canções, instrumentos surdos encostados à parede, desenhos de luz, roteiros de projectos esboçados, o chapéu pendurado à entrada, a velha camisa da sorte usada nos primeiros anos de trabalho e guardada na gaveta, e sempre, sempre o mesmo sorriso.
Apenas as tuas gatas que brincam como se, ainda, as olhasses divertido.
E sempre uns olhos que me olham e me dizem aquilo que sei e não consigo.
Hoje não é dia de metáforas.
É dia de Barcelona, de zanga com o teu p., e depois ... a tua explosão furiosa de "Vou curar-me e voltar para lhes dizer que foram injustos e egoístas".
E eu parada, num degrau do hospital, muda, sem palavras, ...
Quanta determinação, sob aquele sol tórrido de Barcelona!
Prometeste que te ias curar...
E eu acreditei.
Agora, apenas a recordação magoada duma promessa por cumprir.
Um sofrimento adicional inútil mas destrutivo.
Apenas a intensidade da tua própria revolta.
Que era afinal...provocada pelo amor que me tinhas.
E dói muito.
Hoje, não é dia de metáforas.
É um dia cru.
Passaram nove meses!
E sempre uns olhos que me olham e me dizem aquilo que sei e não consigo.

10 comentários:

Anónimo disse...

Isabel

Tenho acompanhado os "posts" mais recentes e neles noto a sua verdadeira revolta.
Natural, note-se.

Podia eu dizer que a Isabel foi uma grande mãe. Podia. Mas vou mais longe e dizer-lhe o que verdadeiramente sinto.
Você, Isabel, É UMA GRANDE MÃE.

Faça um favor ao SEU DAVID. Sorria-lhe, sempre que puder.
Ele é muito sensível. Ficar-lhe-á grato. E mais aliviado.

Saúdo-a com carinho.

Anónimo disse...

SEM METÁFORAS

Apenas música!?

Ainda que sobrasse apenas música, a organização sem metáforas do som e do silêncio, já teria sobrado muito, mesmo hoje e sempre!

Linguagem sem palavras, universal e que se desenvolve para lá delas, a sonoridade silenciosa, porque, repito, sem palavras (!) ou que as transcende, já era, é muito o que sobrava ...

Se eu podesse, aqui, pôr-Lhe-ía a tocar o Requiem de Mozart, essa lânguida prece e sem atender às palavras que o acompanham, chorava Consigo na recordação inolvidável de David, de todos e de tudo o que se foi e ouvia depois a Ode a Santa Cecíclia de Haendel, ode à música e à sua padroeira e deixava-me embalar, contendo o medo e a raiva, as recordações e a enorme dor inacabada!

Sempre inacabada ...

Ouvia também À Música de Schubert, pequena área para voz feminina e piano ou entregava-me apenas, ó se apenas (!), à orquestra ou ao piano de um Glenn Gould a esquartejar Bach sem pressa e no silêncio ...!

Não me preocupava, de todo, com a tradução das palavras e deixava-me levar assim, sem resistências nem metáforas, abraçado por ela, pela música, que não se extingue mais e nos acolhe.

Buscava outros sons e por eles me deixava entorpecer sem preconceitos e por David também, reconciliando-me com ele na irreprimível, incontornável metáfora acústica já que ela, na permanente recomposição, reorganização dos sons, ao espaço/tempo o redifine, recompõe inesgotável e sem metáforas.

Ou recolhia-me ao silêncio, essa tentativa inglória, já que só na individual interioridade se percepciona (!), de o encontrar!

E encontrava a paz e as chaves dos quartos que se abrissem ao som do Concerto para Clarinete e Orquestra de Mozart, uma vez mais (!), que me ajudassem a respirar ...

Sem medo, choraria então até que as lágrimas se esgotassem e pediria sem sofreguidão mais, todo o alento que me faltasse!

E choraria tudo o que tivesse que chorar, hoje e sempre, lavando com essa água salgada a revolta e o desânimo, clarificando as memórias e potenciando-as em força, na força que o David gostaria, deseja, não duvido (!), quer que eu tenha.

E ficaria assim e ainda mais disponível ...

Sem metáforas que não sejam estas, as da palavra de que não me consigo despir.

E ficaria assim ...!

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Julho de 2008

Anónimo disse...

Isabel, não a conheço, mas se a conhecesse só me apetecia abraçá-la, fazer-lhe festas na cabeça e deixá-la chorar, chorar até que tudo o que aí tem dentro saisse cá para fora. Vá ter com alguem seu amigo e faça isso. O David iria querer que assim fosse.
Um beijinho
B.

Anónimo disse...

Quando olhamos para um filho,em bébé,aos 7,aos 10 anos,na adolescência,na fase adulta,temos a sensação ilusória de que aquela criança dos 7 ou 10 anos "morreu"...vai alterando o seu corpo,a sua fisionomia,o seu temperamento e nós somos sempre confrontados com,aparentemente, um "novo filho",que se transmuta"noutro" à medida que os anos vão passando...A morte física dos entes queridos é e será sempre um processo infinitamente doloroso,mas que talvez tenha um sentido de ordem superior que ultrapassa a visão meramente antóniodamasiana do indivíduo...Só conheço uma filosofia que dá resposta a estas questões,e não é a Teoria de António Damásio,mas sim o Budismo...António

Anónimo disse...

"A vida é como uma longa ária
Que, às vezes,
Foge da sua harmonia"

David Sobral

Para a Isabel todas as árias e mais esta, "Erbarme Dich mein Gott":

http://www.youtube.com/watch?v=UWIBbO9Co2Y

Estoril,18 de Julho 2008
Manuela Baptista

Branca disse...

Isabel,

Passaram nove meses, é o tempo de uma gestação, esta não tem sido de alegria, mas quem sabe é o tempo para dar a volta à dor...para conseguir aquilo que diz que sabe mas não consegue....eu sei que é pouco tempo para tão grande perda, que é um tempo que ainda parece ontem, mas a Isabel sabe bem que haverá um amanhã...
O David também quer esse amanhã.
Beijinho grande para si.
Branca

Anónimo disse...

Isabel,

Como escreve Seu filho e minha mulher corrobora, a vida é como uma longa ária que, às vezes, foge da sua harmonia!

Mas pela música, a harmonia é, permanentemente, sublimada, reencontrada também!

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Julho de 2008

Anónimo disse...

Isabel

continua a sofrer
mas tente só um bocadinho sorrir nem que seja a lembrar-se das coisas boas do David ele decerteza que vai gostar de "ver" a grande mãe que é a sorrir e ele fica feliz
não chore ele está ao pé DEUS a olhar por si

beijinhos do tamanho do MUNDO

Anónimo disse...

Isabel

continua a sofrer
mas tente só um bocadinho sorrir nem que seja a lembrar-se das coisas boas do David ele decerteza que vai gostar de "ver" a grande mãe que é a sorrir e ele fica feliz
não chore ele está ao pé DEUS a olhar por si

beijinhos do tamanho do MUNDO

Branca disse...

Isabel,

Vim só para estar consigo e lhe deixar um beijinho.
Tenha uma noite serena.
Tudo de bom para si.
Branca