30 julho 2008

Entre duas telas.




À minha frente, está uma parede branca; é uma tela de tempo.
Procuro nos recantos da mente o lugar onde se constoem os sonhos. Procuro imagens a projectar na tela de parede branca, em frente.
Revolvo, destapo trapos antigos...
Não encontro sonhos nem imagens. Apenas traços difusos de desejos latentes. Não surgem imagens; não há sonhos onde o desejo se extinguiu.
Estou parada em frente a uma parede que permanece branca.
Permaneço assim...
Mas sei, sem me virar, que atrás de mim existe outra parede; uma outra tela tecida de tempo.
Não me viro, nem olho por cima do ombro...
Conheço de cor as imagens que a percorrem, os actores que desfilam na sua lenta corrida para um no happy end.
Nesse filme, nessa tela não branca, nada está desfocado nada foi corroído pelo tempo.
Tudo permanece inalterado.
Sou uma marionete, parte do elenco.
Não chegou a hora de saltar desse palco onde, ainda, me debato contra moinhos de vento e de só olhar para a tela de tempo que aguarda à minha frente.
Estou perante um tempo, sem tempo, que me engole e me deixa dormente.

2 comentários:

Anónimo disse...

A TELA DO TEMPO

A tela do tempo não tem tempo e não tem vento

É uma película sem filtros nem graduações

Passa e fica sempre lá

E vai e vem remira-se sem se ver

Como um Miró de traço infantil e imberbe aponta o coração e a própria tela os astros e o norte em crucifixo

A tela do tempo quere-o parado e fixo contra toda a plausibilidade

Nem é branca nem tem fundo trespassa a eternidade

A tela do tempo não se vê mas como o vento acaricia-nos ou revolve-nos em turbilhão difuso de desejos

Está e não está parada e é alva ou invisível e cromática ao infinito

A tela do tempo se parece inalterada está sempre em permanente mutação

È a metamorfose de todas as coisas e de tudo e do que vem e já não vem

É uma tela onde tudo se pode pintar virginal e pura pronta a dar-se

A tela do tempo é convidativa

É este quadradinho onde escrevo o que escrito logo tem destinatário

A tela do tempo não tem tempo nem lugar nem dimensão ou todos os comporta até à exaustão

É desfocada no momento e no depois mas vai sempre ganhando enfoque

A tela do tempo tem sempre um happy end

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 31 de Julho de 2008

Anónimo disse...

Durante muito tempo pensei que,perante a Morte,só restava fazer o luto,ou seja,aceitar resignadamente o desaparecimento dos entes queridos.Hoje,não penso assim.Creio que,perante a Morte,só há uma resposta a dar:A recusa total e absoluta de que ela existe.E isso só é possivel se nos atrevermos a olhar para além da Dor que ela provoca...António