25 julho 2008

Dizer o quê?


Que posso dizer que não tenha já sido dito?
Que posso dizer sobre a avalanche de sentimentos que se cruzam cá dentro e não consigo traduzir para papel?
Que posso dizer sobre estes dias que me escorrem entre os dedos e que não consigo reter?
Que posso dizer sobre o medo que me tinge o olhar de cinzento e não me deixa ver mais do que aquilo que passou?
Que dizer?
Nada...dizendo!
E, no entanto, tenho tanto, tanto e sempre mais e sempre que dizer.
Mesmo não dizendo, é uma forma de dizer.
Significa apenas que não caibo em palavras.
Enquanto houver este "eu" que é teu, por direito meu e não dever.



Meditação Anciã


Aqui eu fui feliz aqui fui terra

aquifui tudo quanto em mim se encerra
aqui me senti bem aqui o vento veio
aqui gostei de gente e tive mãe

em cada árvore e até em cada folha

aqui enchi o peito e mesmo até desfeito
eu fui aquele que da vida vil se orgulha

Aqui fiquei em tudo aquilo em que passei
um avião um riso uns olhos uma luz
eu fui aqui aquilo tudo até a que me opus

Ruy Belo

9 comentários:

Branca disse...

Isabel,

Gostei tanto de tudo, o seu texto, a sua fotografia tão cheia de arte. Não me diga que era também o David que fazia essas fotografias? Já percebi que ele percorria quase todas as artes...!
Tanto a fotografia do post, como a lateral mostram uma Isabel gaiata, sorridente de amor...
Por fim o poema de Ruy Belo é muito significativo da presença do David e da vossa ligação.
Tem feito uns pots maravilhosos.
Obrigada Isabel.
Um beijinho para si.
Branca

Anónimo disse...

TUDO E NADA

Sabes o que é o nada?

Define-o se o conseguires ...!

Logo por o nomeares, deixa de o ser e não há palavras para o definires.

É a ausência de tudo!?

E tudo, o que é?

É o que vai de mim para ti, num eu que és tu e eu, os outros, num direito que logo se correlaciona com dever e que não cabe em palavras!?

Ou que as contém a todas e mesmo que não ditas porque sempre por dizer!??

E o silêncio, defines-me silêncio?

Pois se tudo se move e logo produz som ...!?

Nada, silêncio, oblivion, tudo, suscitam-te medo?

Tens medo de esquecer aquilo que passou?

Pois se aquilo que passou está sempre a trespassar-nos!?

E passa e passa mais, inexorável, e sempre sem passar ...!?

Nada ... dizendo já não é e enche-se de tudo ...!

Mas tudo ... não é mais do que aquilo que passou?

É que o que passou, passou e não se agarra mais enquanto que o que está para vir, pode-se agarrar e contém o que passou e pode-se agarrar sem se parar!

É que nada não pára, foi-se e tudo é um contínuo dinâmico encerrado numa bolha espaço/temporal que vai do futuro ao passado ou o inverso e que se agarra quando se olhando para o futuro!!

Sem ter medo!!!

Porque o medo é maior e paraliza se nos limitarmos a olhar o presente com auto-comiseração, fugindo-nos sempre da mão, porque já passou ...

E se passado já é, não volta mais, nem o presente que já foi!?

Diz, diz, diz, diz tudo o que quizeres e estampa no que escreveres.

Pega uma receita e condimenta-a com o David e mesmo sem o dizeres porque é mais o que se diz não tendo dito!

E ele, no entanto, fica lá e está contigo!

Péga num poema e cala-o fundo porque não estando explícita a tua ausência ela impõe-se sublime, estampada na escrita que tu lês ou escreves!

Interpreta uma Obra de arte, fá-la tu própria e verás que ela o será muito mais pelo não dito do que pelo explícito!

É sempre o sublimado implícito que dá força, relevo, vida, àquilo que tu cries!

Agarra o que aí vem e constatarás que só tem vida se transportar tudo o que não dito e mais dramático, irremediável, no que agarrares nele se incluir silencioso e sempre interactivo!

A ausência, a perda, o nada, o silêncio e o oblivion preenchem o tudo e amplificam-no com tudo o que não há palavras para os definir ...

Decantado, o elixir de Baco então escorre, retendo-se nas mãos que o refinam e lhe dão vida, para lá da vida e das vidas que nos passam pelas mãos.

Vês uma uva quando bebes vinho?

Vês a semente quando comes pão?

Vês o pintor quando admiras a obra de arte, ou o fotógrafo, ou quem te escreve?

Vês-me a mim, sabes como eu sou?

Sabes como eu sou e tudo o que me leva a escrever-te a ti?

O que vês tu que já não sintas e que por sentires sempre melhor verás mesmo sem ver!?

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Julho de 2008

Anónimo disse...

Isabel

Preocupo-me, mas preocupo-me mesmo com a sua dor que parece não ter fim.
Compreendo-a mas esse seu "mal estar" é tanto que dói à distância.
Mas o que dizer? Pouco.
O seu interior está pejado de sentimentos que a tormentam se prazo final à vista.

Cada vez mais me convenço que o David era (e é) um grande filho e um grande ser humano.

Permita-me um beijinho.

Anónimo disse...

Querida Isabel

Tenho seguido o seu blog, o seu luto por um filho.
Luto bonito e terno, mesmo que lhe digam que não deve insistir em reviver a dor.
Filho bonito e terno, o seu David!

Pode discordar do que lhe vou dizer, ou até que é abuso meu, ou loucura ou falta de sensibilidade...
Mas arrisco.
É o que trago, desde há tempos, à flor da pele, para lhe dizer.

Não existirão muitas mães que tenham tido, como a Isabel, a certeza de terem sido tão amadas por um filho!
Não existirão muitas mães que tenham tido o privilégio de se relacionar tão íntima e ternamente com um filho!

O David adorava-a. E só por isso, tem obrigação de sorrir e continuar.
Sempre com ele ao seu lado; tal como a Isabel sempre esteve ao lado dele, partilhando sempre as boas e más ocasiões.
O David dizia muitas vezes: "Animem a minha mãe coragem!"
Não por pensar que ia morrer (não pensava); apenas porque a queria ver activa como antes.
Se esse recado valia antes, deve valer também agora.
S.

P.S. Espero que não fique zangada. Mas tinha que dizer que acompanhei vossa história de amor... E que o David foi um grande HOMEM que mereceu a grande MÃE Isabel.

Anónimo disse...

Quando olhamos para a Morte,temos duas hipóteses:Ou acreditamos nela e tentamos fazer um luto que terá muito de resignação,ou não acreditamos nela e não há nenhum luto para fazer.Temos apenas que tentar ver para além dela e da Dor que ela nos provoca.No meio da ponte é que não podemos ficar porque a Morte é a maior interpelação que a Vida nos faz...António

Anónimo disse...

Creta tem personalidade,luz,cheiros,música e encantos que de certo encantaram o David.

Passeei por lá com os olhos do David sobre os meus ombros e sei que terei de voltar para ir a sítios que ele adorou e que não tive tempo de visitar.

Lá onde Zeus nasceu, o azul do mar é único e sei que naquelas cálidas águas o David se sentiu feliz.
Foram umas férias em que, para além da companhia da Diana e das tuas sugestões, a presença do David não me deixou NUNCA.

Agora de regresso vejo que continuas aqui na tua casa acolhedora e repleta de imagens da vida do teu filho e do teu amor por ele.

Hoje(a esta hora em que escrevo) já é dia de te enviar um beijo, para ti , porque já é tempo de teres o TEU DIA depois de teres tido durante toda a vida todos os dias para os teus filhos.

Em breve terás mais um rapazinho na tua vida que de certo aprenderá contigo e com todos nós a amar o David e, quem sabe, a correr pela praia de Moledo com a toalha presa no pescoço a fazer de Super-Homem.

Beijinhos da Nini.

Anónimo disse...

Isabel,

Alguém me disse, veja lá se adivinha (?), que tendo apenas menos um ano que eu, hoje é o dia do Seu aniversário:

ANIVERSÁRIO

Sendo hoje o dia dos Seus anos/
Minha Amiga veja no que estamos/
Não se esconda dentro do armário/
Nem me diga tudo ao contrário/
-.-
Saiba-os gozar qual relicário/
A este e a todos num rosário/
No sabor amargo encontramos/
Alegria cheia em seus ramos/
-.-
Em toda a tristeza transportamos/
Desde que nascemos no berçário/
O que não é vão no aniversário/
-.-
Todos em quem cremos e o sudário/
Tudo o que é querido e ao que vamos/
Toda a nossa força com que amamos/
-.-
Manuela e Jaime
Estoril, 27 de Julho de 2008

Branca disse...

Isabel,

Espero que esteja a passar um bom Domingo.
Ontem estive no último espectáculo deste ano do "Jazz no Parque", em Serralves, lembrei-me do David, de tudo o que tenho lido aqui sobre ele, a música e o Jazz.
Olhei a toda a volta, porque pensei que poderia encontrá-la por lá, mas não sei se a reconheceria. No final vi mesmo uma senhora de cabelo curto perto da saída do recinto e apeteceu-me ir perguntar-lhe se era a Isabel, tentei comparar com a fotografia que tem aqui. Disparate meu, tal era a vontade de a conhecer que depois olhei melhor e achei que afinal a senhora não devia ter nada a ver.
De qualquer forma o espectáculo foi maravilhoso e só vim aqui para deixar esta nota, de como nos leva a nós também a pensar no David no meio do sortilégio da música e da natureza.
Beijinhos para si.
Faça os dias frlizes.
Branca

Anónimo disse...

A Manuela Baptista mandou-me por mail este poema.
Penso que é dedicado também a ti e ao David por isso aqui o deixo.

1 beijo
Nini

Ressurgiremos


Ressurgiremos ainda sob os muros
de Cnossos
E em Delphos centro do mundo
Ressurgiremos ainda na dura luz
de Creta

Ressurgiremos ali onde as palavras
São o nome das coisas
E onde são claros e vivos os
contornos
Na aguda luz de Creta

Ressurgiremos ali onde pedra
estrela e tempo
São o reino do homem
Ressurgiremos para olhar para a
terra de frente
Na luz limpa de Creta

Pois convém tornar claro o
coração do homem
E erguer a negra exactidão da
cruz
Na luz branca de Creta



Sophia de Mello Breyner Andresen (Livro sexto - As coisas)