17 maio 2008

Adormeceste.



Amanhã, em Outubro, não acordaste.
Fechaste os olhos, depois do abraço da noite, mas não houve o sorriso da manhã.
Mesmo triste ou cansado, houve sempre um "olá", ao acordar.
Adormeceste longamente.
Enquanto eu dormitava, ali, ao lado, atravessaste a ponte sobre o regato. Fiquei na margem de cá...
Tinha de ser assim?



Um Rosto

Apenas
uma coisa inteiramente transparente:
o céu, e por baixo dele a linha obscura do horizonte
nos teus olhos, que pude ver ainda
através de pálpebras semicerradas, pestanas húmidas
da geada matinal, uma névoa de palavras murmuradas
num silêncio de hesitações. Há quanto tempo,
tudo isto? Abro o armário onde o tempo antigo
se enche de bolor e fungos; limpo os papéis,
cartas que talvez nunca tenha lido até ao fim, foto-
grafias cuja cor desaparece, substituindo os corpos
por manchas vagas como aparições; e sinto, eu
próprio, que uma parte da minha vida se apaga
com esses restos.

Nuno Júdice

2 comentários:

Anónimo disse...

Hoje,faz hoje dois anos, teve o David a primeira sessão de quimio. Para mim decorria o dia da Leveza, onde nem tu nem ele puderam estar. Ao longo do dia pensei muito como simbolicamente desejava que essa coincidência fosse um bom augúrio para o David. E de algum modo foi. Porque ele viveu, mesmo a partir daí, a leveza que o fez suportar o peso.
Nas palavras de Guimarães Rosa " Todo o abismo é navegável a barquinhos de papel" Zé

Anónimo disse...

Um beijo.
Nini