12 abril 2008

Casa da Música

A Casa da Música faz anos.
Com balanço positivo e espectáculos diversificados e imenso público...
Todos os artistas que, por lá, passaram dão testemunho da experiência.
Também eu lá fui, algumas vezes.
Não muitas, porque aconteceu o que aconteceu!
Mas quem se lembra que o David foi o "iluminador" do primeiro espectáculo que lá ocorreu.
Lembro-me dos dias de aflição que ele passou porque não havia meios, estava tudo atrasado e ele queria, pelo menos, iluminar a cara das mil crianças que lá iam estar ... para que os pais as vissem e pudessem guardar essas recordações.
Ele era assim...
E eu subi imensos degraus porque a sala estava cheia... Ia de canadianas porque tinha sido operada ao joelho e sei que o David esperou até que me sentasse para apagar as luzes gerais e dar início a "Da primeira madrugada".
Foi o primeiro designer de luz a pisar o palco da Casa da Música.
Dei-lhe um beijo grande de parabéns.

Mais uma despedida.

Tríptico para o David
Para a querida Isabel com um sentido abraço da Elsa e do Jaime


David, meu caro,
como sabes

os poetas nunca morrem,

apenas adormecem devagar

e se deixam flutuar

na luz nimbada da manhã

que lambe juncos
rumorosos,
enlaçam-se
nas algas das amantes,
e se diluem,

embaraçam-se
nos braços dos irmãos
e dúplices

no riso cúmplice de amigos.

Quando entardece
desabotoam as lágrimas
do seio maternal,
onde regressam

e se recolhem

para a longa noite
que os espera.
Regressam sempre,

horas
e dias inesperados:

recortados no rectângulo
da janela,
na folha manuscrita sobre a mesa,

a caneta inactiva,

no livro aberto,
interrompido,

esquecido o cd
no leitor emudecido,
o casaco nas costas da cadeira,

um vago odor

e um ruído de jornal
ali, na sala ao lado,
uma ausência deambulando

pela casa silenciosa.


Caro poeta,
como sabes,

todo o David
vence sempre o seu gigante.
Faz-se projéctil
na sua própria funda
e funde-se
na luz vertiginosa do seu gesto
já longe da tangente que o ferira.

Não só de Bach,
a fuga
é regra em combates desiguais.
Adeus estratégias,

labirínticas manobras,

rituais severos!

Agora ele já sabe

que há em si
um ser irredutível:
apenas se sublima
na massa sideral,
sua matriz...


Agora pode ser
pura energia,
luz,

um pequeno lugar intenso
a brilhar no firmamento,
entre outros astros.

Como dizia outrora
Maria,
a velha serva,
o gesto persignante,
o olhar temente,

se o rutilar fugaz
de uma estrela cadente,
riscava o céu de breu.


São também meus filhos,

os moços que debutam
sunâmbulos soldados,
nesta guerra branca,

silenciosa.


Vão graves, inocentes...

Não partem em si
mas em nós,
os que ficamos.

Seus olhos já não vêem

as pobres mãos que acenam,

nada sabem dos
tentáculos amorosos
que lassos os libertam,

do desalento no
desabraço fraterno,
da sombra nos olhos dos amigos,

do vácuo implosivo

subitamente aberto

no peito desta mãe.


Lá vão absortos

na sua missão ignorada.

Marcham para longe,

mais e mais longe de nós,
do nosso braço

que em vão se estende

e não alcança,

cada vez mais longe

da nossa atónita impotência,

até que se esbatem

no pano cinza do horizonte

que se cerra

e os encerra

no leito onde anoitecem.



Jaime Azinheira
Outubro de 2007

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