12 março 2008

A morte dum filho


Ao David

Escrevo menos! Bem sei... Mas não é por falta de sentir menos a tua falta. Muito pelo contrário... Os dias são mais pesados, lentos e silenciosos. Fecha-se o círculo, neste mês de Março, dia 22.
A tristeza aumenta e não sei que escrever porque o silêncio também se instalou, mais penetrante, cá dentro.
E dói-me o peito. E é dor física. Talvez por me ter curvado tanto; a melancolia dobra-nos. Talvez por falta de ânimo para respirar com força.
Gosto, cada vez mais, da solidão; as vozes perturbam-me e canso-me dos outros, com facilidade.

Os pequenitos da escola, a quem dou apoio, são das poucas excepções. Sinto-me bem, ao lado deles; são ternos e têm aquela alegria inocente nos olhos, própria de quem sabe que tudo é eterno e tem a vida pela frente.
Mas...olham para mim e reparam quando estou triste e dizem-mo, abertamente "A professora, hoje, está triste!". Não é uma pergunta; é uma constatação.
E não tentam animar-me ou dar-me conselhos. Reconhecem a dor.
São assim e eu gosto e até lhes digo que sim, que é verdade. E trabalhamos.
Para eles, a tristeza e a alegria são estados naturais. Têm uma sabedoria feita de ingénua clarividência; reconhecem o sentimento de perda.
Quando se é adulto é que parece ser necessário convencer os outros de que devem afastar a tristeza. Dizem-no por bem...

Mas há tristezas que não se afastam, que correm (depois e sempre) no sangue, que se colam à pele, que suspiram cá dentro, que entram na pupila dos olhos e se fixam e é com esse novo olhar que vemos o mundo.
E o mundo estreita, torna-se pequeno, reduz-se aos espaços onde fomos felizes e infelizes e é num limbo que permanecemos, mesmo quando, aparentemente, saímos desse círculo para "trocar umas palavrinhas" com os outros.
Até aqueles que, sempre, fizeram parte do nosso mundo se tornam sombras, memórias, vultos doutro tempo. Do tempo em que estava inteira.

Agora, a forma do corpo, a cara e os gestos poderão ser os mesmos, mas falta o bocado de sonho, de carne e de sangue que me foi arrancado, antes do fim do meu tempo.
O tempo duma mãe que perde um filho fica em suspenso; imutável no turbilhão da dor que nos agarra, no momento em que se ouve o último som ténue duma mais ténue, ainda, respiração.
Estou suspensa, tal como me encontrei suspensa, junto daquela cama de hospital, atenta a que o meu filho inspirasse e expirasse, inspirasse e expirasse...cada vez mais devagarinho, mais lentamente...
Foi nesse espaço de silêncio que fiquei; onde o respirar é o último elo, o único fio. E que se rompe.
É nesse silêncio pesado que, ainda, vivo; num tempo que parou.
Sou uma marionete num espectáculo, presa pelos fios que ficaram e me agitam para que o público não reclame a devolução do dinheiro que pagou.
E aguardo...

"Vou onde o vento me leva e não me deixo pensar."
A. Caeiro

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