03 março 2008

Março


Ironicamente, Março passou a ser o mês do cancro colo-rectal...

Até nisto, o tempo esteve contra nós, contra o David; porque, quem sabe,...se os médicos estivessem mais motivados pelas campanhas, talvez tivessem mandado fazer exames mais atempados e dirigidos.
Não tenho dúvida de que o David se curaria se tudo tivesse sido diagnosticado mais cedo, antes de o fígado ter sido atingido. A força dele teria combatido a doença.
David teria vencido Golias, mais uma vez. Porque o David era um vencedor!

Mas, agora, que fazer com o vazio que ficou dentro de casa, dentro de mim, no meio dos amigos e a indescritível dor e revolta que se instalou?
Talvez o novo pequenino que aí vem me faça olhar para a vida e destape esta neblina em que me encerro.
Talvez seja possível...

Nascer de novo

Nascer: findou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver
sem alma no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.

Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.

Sondamos, inquirimos
sem resposta:
nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes
criptográficas?

Viver é torturar-se, consumir-se
à míngua de qualquer razão de vida?

Eis que um segundo nascimento,
não adivinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.

Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
do sentido no abzurdo de existir.

O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silêncio.

A explicação rompe das nuvens,
Das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou eu, sou o outro
que em mim procurava seu destino.

Em outro alguém estou nascendo.

A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu que se reduz
a ser retrato,
espelho,
semelhança
de gesto alheio aberto em rosa.

Drummond de Andrade

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