26 fevereiro 2008

Um porto de abrigo

A noite, mesmo noite, sempre foi o meu porto de abrigo. Durante os dezoito meses de doença do David, foi a noite a única testemunha das minhas lágrimas e dos meus pedidos silenciosos de que tudo corresse bem.
Foi sempre o meu pedacinho de tempo de me esvaziar, esconjurar fantasmas e me preparar para o dia seguinte.
A noite sabia que eu não aguentaria um desenlace triste porque, simplesmente, não se aguenta.

Ainda não tinha adormecido, mas acordei sobressaltada. Estavas, ali, ao meu lado. Tudo tinha passado e nada havia a temer, estava tudo ultrapassado...
Não queria abrir os olhos por que tinha medo que não fosse verdade.
Mas foi...foste embora. Regressas, de vez em quando, pé ante pé, ao meu quarto, silencioso para não incomodar.
Apenas para me dizeres, baixinho, que precisas de mim.

Agora, a noite já não me protege, já não há ilusões. Por isso, aqui me encontra, pela madrugada.
Cada noite, depois da luz apagada, penso:
  • Se o sono tardar, talvez recue até às planícies louras e curvas do alentejo, que sempre teve o condão de me acalmar.
  • Se o sono teimar em não chegar, subirei à Frecha e descerei ao fundo da Mijarela da minha juventude. E molharei os pés e o cabelo nas águas geladas da cascata.
  • Se, mesmo assim, o sono não bater à minha porta, partirei para o lago d'Aosta, andarei de barco, verei casas lacustres frescas e sombrias, de venezianas corridas, e onde se dorme a sesta e pensarei que a vida me sorri.
  • Se o sono não me quiser, mesmo assim, cansada já de tantas viagens, agarrar-me-ei, de novo, a ti; dar-te-ei a mão e só te largarei quando não me sentir respirar.
Mas o sono não vem e penso no que sou, no que em mim se franformou; terá sido só a essência ou também a aparência?
Não sei, porque estou fechada no meu casulo. Só ouço e vejo ao longe e as palavras já não significam..
São Belas Adormecidas à espera. Perderam valor, não sigificam nada e ao meu refúgio, chegam de muito
longe...
longe...
sem sentido
sem afecto
sem ternura
Só SOM!
E eu não conheço bem os sigificados que, agora, têm.
Ando perdida em palavras e na total ausência delas. Estranho mundo, o meu...

Ficam as palavras do David.

Desamparado

Agora que estou aqui
Preciso eu de ti
De um grande abraço
Forte como um laço
Que não me separe de ti
Mas um dia sei
Que tu me deixarás
Sei que este belo laço
Terá um trágico desenlace
Que me deixará inocente
Com lágrimas
Por toda a minha face
David Sobral

Bom Amanhecer!

Isabel

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