23 fevereiro 2008

Este é um blog que entristeceu


Boa noite ou boa aurora?

Perguntam-me como é possível que ainda tenha lágrimas para chorar. Perguntam-me como se consegue viver depois de um filho morrer. E eu não sei responder.
Sei que as lágrimas estariam sempre a correr, se as deixasse soltarem-se dos olhos, quando querem.
Sei que não se chama a isto que vivo, viver. Chama-se imitação dos passos e gestos da vida, na esperança de que se tornem realidade e, outra vez, sentidos.
Dizem-me, também, que chorar faz bem e que falar e desabafar, acalma a alma.
E eu pergunto-me, então, por que não me sinto bem? Porque não acalma a minha "alma"?

Dizem outros que o tempo vai curar uma parte da dor...
E eu espero. Mas o tempo torna-se diferente, depois da morte de um filho. Não é linear, corre cá dentro.
Está feito em pedacinhos e cada pedacinho é preenchido, passo a passo; com as rotinas diárias, com os sorrisos silenciosos que me dirigem, com a ternura que me manifestam os amigos, com a dedicação da família e com recordações intermitentes do passado que andam comigo, a par e passo.

O tempo é uma traição para uma mãe que perdeu um filho. O tempo afasta-me do momento em que David ainda respirava. Em que estava vivo e eu lhe dava a mão. E eu não consigo nem quero afastar-me desse tempo que me prende com garras.

Quando se é mãe, é para sempre. Se se é mãe de dois filhos muito diferentes, é-se duas mães diferentes, também.
Não custa, acontece naturalmente...
Mas é difícil, muito difícil, ser mãe de um filho que morreu e de um filho que está vivo e tem, felizmente, saúde. Este tem o direito a ter projectos de futuro e a sonhar. Tem direito a continuar a ter a sua mãe e não um fantasma que vem, ocasionalmente, do passado.
Mas perdi um filho, no caminho. Como sucedeu? Como não fui capaz de o proteger. Os filhos são eternos.
Não aceito e não compreendo. Vivi um longo (mas curto) tempo, num alternar contínuo de momentos de pânico, desespero, alguma esperança, muita angústia e, de novo, alguma alegria. Sempre numa avalanche de sentimentos exacerbados mas guardados, dentro de mim, a sete chaves.
Por fora, houve sempre um sorriso meu, uma conversa bem disposta do Manel, gargalhadas e sentido de humor do David, o amor e a ternura da namorada, o apoio constante, por parte do irmão e da cunhadinha.
Chegámos a ser felizes, cá em casa!!!

Agora, tudo é muito confuso. A minha cabeça gira num rodopiar incessante, entre o passado e a travesseira da cama do hospital onde adormeceu o meu bondoso e terno David e o presente que me promete, agora, alguma alegria que começa a despontar com a chegada dum neto.

Mas o tempo é o aliado da saudade. E a saudade, de ti, meu filho que partiste, vai pesando mais fundo. Sinto-a, cá dentro, cavando, cavando como uma toupeira; mais longe dos olhares alheios, mas próxima das minhas entranhas, onde me corre nas veias.
Estou grávida da tua ausência e desta vez, não haverá parto.

Um beijo da tua mãe.

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