08 março 2006

Não sou feminista!

Mas há belíssimos poemas sobre a mulher.
E, como hoje é Dia da Mulher, aqui ficam 2 ou 3.

I
Gosto das mulheres que envelhecem,
com a pressa das suas rugas, os cabelos
caídos pelos ombros negros do vestido,
o olhar que se perde na tristeza
dos reposteiros. Essas mulheres sentam-se
nos cantos das salas, olham para fora,
para o átrio que não vejo, de onde estou,
embora adivinhe a a presença de
outras mulheres, sentadas em bancos
de madeira, folheando revistas
baratas. As mulheres que envelhecem
sentem que as olho, que admiro os seus gestos
lentos, que amo o trabalho subterrâneo
do tempo nos seus seios. Por isso esperam
que o dia corra nesta sala sem luz,
evitam sair para a rua, e dizem baixo,
por vezes, essa elegia que só os seus lábios
podem cantar.

Nuno Júdice

Outro de Ary dos Santos

Retrato de Sophia

Senhora dona águia água égua
inglesa num jardim de potros gregos
mordiscando beleza rega cega
do regador de inês em seus sossegos.
De muitos anos colhes magro fruito
que depressa transformas em compota
receita tão bem feita que de há muito
nos açucara o travo da chacota.
Porém quando por vezes és de pedra
não mármore mas árvore mas dura
do fundo do teu mar levanta-se a cratera
da nossa lusitana sepultura.

Por fim...


Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha – queres ouvir-me? –
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda ouço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio de um laranjal...
Mas – tu sabes – a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade

1 comentário:

Anónimo disse...

Sei que este post é muito antigo. Mas só soube da existência deste blog agora.Senti-me nostalgica com o último poema.
É impressionante como arranjos de palavras se podem tornar sentimentos.
um beijinho
Amarílis
Até sábado.
(não tenho jeito para as palavras)